Quem? Quem é que
manda na gente, afinal? Ela tirou o lençol e o cobertor da cama e afastou os
travesseiros na tentativa de encontrar quem a mandava ser feliz e magra e sexy.
O supermercado anuncia que é lugar de gente feliz, mas o que ela vê são pessoas
em filas quase sem fim reclamando dos preços altos. Carros não são mais um meio
de transporte. São nossos amigos e confidentes capazes de nos transformar em
desejados astros de Hollywood. Hollywood é uma invenção! O Estado, com quem ela
divide seu salário, é uma invenção. O Estado não existe, cara! Chutou o chinelo
que estava no meio do caminho entre a cama e o banheiro cheio de cremes
diferentes que serviam todos para a mesma coisa: nada. A velhice vai chegar se
não encontrar a morte antes. That´s it, baby! A beleza é uma invenção. Há
duzentos anos teria que comer todos os pães disponíveis para alcançar o peso
desejado...desejado por quem? Hoje pelos estilistas e pelas revistas. Já não
sabia se se sentia melhor numa calça 38 ou 40, mas lutava para entrar numa 36.
Quem inventou esses números? Da calça, do quadril, da cintura, dos peitos. Do preço dos imóveis! Era
o segundo celular que comprava no ano por causa da resolução da câmera na qual tirava
fotos de si mesma para mostrar no Facebook para todos os seus conhecidos, do
jardim de infância até o trabalho atual, que era linda, rica e amada, mesmo que
passasse muitas noites esperando uma ligação dele enquanto pensava num jeito de
saldar suas dívidas no banco. Pronto, agora compraria o terceiro porque o
segundo se espatifou na parede, com todas as fotos sem backup. Merda. E se todos criticam as mesmas coisas, onde
estão os criticados? Numa ilha desconhecida junto com as canetas Bic e as meias
sem par?
terça-feira, 31 de julho de 2012
segunda-feira, 30 de julho de 2012
O piado
Piu.
...
Piu.
...
Piu...piu.
Ela demorou a entender que estava
na sua cama, no seu quarto, ouvindo um piado às duas da manhã. Acendeu a luz do
abajur e viu o lado que até dois meses atrás era o dele na cama. Ainda não
havia se habituado ao vazio todo para ela. O que ele estaria fazendo naquele
exato momento era o primeiro pensamento que a invadia ao acordar, a qualquer
hora do dia ou da noite. Que culpa tinha
ele, afinal, se as pessoas não escolhem se apaixonar?
Piu.
Tentou tirar qualquer ideia gritante
da cabeça.
Piu.
Sim, ela ouvia. Seria uma
brincadeira das crianças ou um daqueles sonhos que sabemos ser sonho, mas do
qual não conseguimos sair? Arrastou-se até o quarto dos filhos. Os dois a cara
dele, para ajudá-la a não esquecê-lo. Que culpa tinham eles, afinal, se ninguém
escolhe o próprio rosto?
Agachada no escuro do quarto das
crianças apurou os ouvidos.
...
Piu.
O som não vinha de lá. Foi até a
sala.
...
Piu.
Até a cozinha.
...
PIU.
Atrás da geladeira, encolhidinho
e com os olhinhos arregalados, o mais belo dos pintinhos amarelinhos, como uma
daquelas ilustrações de livros infantis. Ela sorriu e esticou a mão, tentando emitir
um som que ele entendesse como um convite amigável. E ela achou que ele
entendeu quando viu seu corpinho relaxar e o bico abrir um pouquinho, quase num
sorriso. Ela esticou um pouco mais o braço e o pintinho veio caminhando
cambaleante, no perfeito passo de pintinho, na sua direção até subir na palma
da sua mão. Como era macio e amável. Ela o levou para perto do coração e ele
abaixou a cabeça para receber mais um pouco de cafuné, como numa fusão há muito
esperada. Quase destinada.
Pensou em acordar as crianças,
mas o relógio na parede da cozinha mostrava que não eram nem três da manhã. Há
quantos anos elas pediam um bichinho de estimação? Ela não desgostava dos
bichos, não era isso. Só nunca lhes permitiu ter um animal em casa porque não
aguentaria mais um ser vivo sob sua responsabilidade. Ela já tinha mais do que
o suficiente para esquecer que ela também tinha necessidades de vários níveis.
Mas agora que não precisava mais ser esposa, aquele pintinho poderia ser
bem-vindo. Havia um espaço mesmo sobrando na casa. Mas poderia esperar um pouco
para chamar os filhos. Eram raras as noites em que eles não acordavam perguntando
pelo pai, que aproveitassem um pouco o sono tranquilo.
Enquanto isso, pegou uma caixa de
sapato e forrou com um pedaço de flanela para que ele ficasse bem quentinho. Ofereceu
um pouco de água num pires, que ele bebeu agradecido. Prometeu comprar uma ração
especial logo que os comerciantes abrissem as portas.
Piu.
Ele se encolheu num dos cantos da
caixa, envolveu-se nas próprias asinhas penugentas e fechou os olhinhos. Se ela
coubesse, deitaria ali com ele, um protegendo o outro contra a frieza dos
azulejos. Voltou para sua cama, hesitante, mas voltou. Ele ficaria bem. Logo as
crianças acordariam e a casa ganharia uma atmosfera aconchegante mais uma vez.
Adormeceu abraçada à possibilidade de sentir-se alegre de novo. Não acreditava
mais na felicidade, mas na alegria ainda sim.
Acordou com as crianças em cima
dela na cama e foi ejetada pela ansiedade de mostra-lhes o novo bichinho de
estimação. Correram todos para a cozinha enquanto a mãe dizia que era amarelinho
e fofinho e bonzinho e gordinho e amável e não, não sei como apareceu, mas é
nosso, é nosso, só nosso; mas na cozinha havia apenas um caixa de sapato
forrada com flanela vazia.
domingo, 29 de julho de 2012
O segredo
Se gritasse
poderia despertar a curiosidade dos outros passageiros, mas a revelação que
recebera não poderia ser partilhada com aquelas pessoas – nem com ninguém. A
descoberta era só dela. Por isso gritou em silêncio enquanto via pela janela um
pedaço do (a)mar onde se banhou por pouco mais de uma hora, tempo suficiente
para uma mudança irreversível nas suas entranhas. O avião decolou, ela fechou
os olhos e as mãos, numa tentativa de aprisionar o que tinha acabado de viver.
O homem na poltrona ao lado com suas palavras cruzadas pensou que fosse por
medo e tentou acalmá-la. Ela não se mexeu. Não podia correr o risco de perder o
que trazia dentro dos olhos e das mãos. O avião pousou na cidade conhecida
poucas horas depois. Ela voltou para sua rua, sua casa, seu quarto, sua cama,
mas ainda continua imóvel.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
Depois do meio...o começo
Onde estão os finais das
histórias interrompidas? Ela sorriu ao pensar que nas areias do Atacama ou da
Arábia ela e ele ainda se beijavam todas as manhãs enquanto a água para o chá
não fervia. Ou que numa geleira na Groenlândia ainda escutava uma poesia lida
por ele só para ela. Que em Aveiro ou Bruges a criança havia nascido. Ou que tomavam
um picolé de limão numa praça em Monteiro Lobato. Pensou em olhares em Búzios,
mãos na Guatemala, braços e pernas em Samoa, risadas em Bonito e num pudim de leite
sobre uma mesa coberta com uma toalha xadrez vermelha e branca. Ou verde e
branca, tanto faz.
sexta-feira, 20 de julho de 2012
Enfim sós
Para os meus pais
Ela o convidou para ir ao cinema
na sexta-feira à noite. Ele estremeceu e aceitou. Cinema na sexta é sempre bom. E poderiam jantar depois. Ela segurou
com mais força na mão dele. E na sexta à tarde ela foi ao salão, pintou as
unhas com uma cor clara e arrumou o cabelo. Comprou um sapato antes de voltar
para casa. Ele chegou mais cedo do trabalho, tomou um banho rápido, mas eficiente,
e escolheu uma roupa com um cuidado maior do que o habitual. Sorriram um para o
outro, ele abriu a porta do carro para ela e no trajeto ouviram Iolanda, a música que ele dizia ter sido
feita para ela. Tudo que havia de bonito no mundo era para ela. Sempre para
ela. Não compraram pipoca para não estragar o jantar e assistiram ao filme de
mãos dadas. Saíram sorrindo do cinema e jantaram regados a vinho e risadas.
Aproveitaram também para planejar uma festa para os quarenta anos de casamento.
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Leia atentamente antes de usar
A
história do seu casamento poderia ser contada dentro do boxe do banheiro.
No início ele e a mulher dividiam o mesmo
xampu para cabelos normais. Quando percebia o pote quase vazio, corria até a farmácia
para fazer a reposição e não foram poucas as vezes em que ele e a esposa
tiveram a mesma iniciativa. Os dois riam
ao ver os dois frascos idênticos lado a lado.
Mas
um dia, que ele não sabe precisar quando – imagina que depois de uns dois ou
três anos de casados, ela chegou com um xampu para cabelos cacheados e
ondulados. Achei que estava na hora de usar
algo mais específico. Ele não deu a menor importância ao fato e até quis
agradá-la comprando um xampu para cachos comportados, que permaneceu intocado.
Com
o fim do xampu para cabelos normais, ele não viu mal algum em usar o novo da
mulher, apesar dos dele serem lisos – era homem e podia lavar os cabelos até com
sabonete. Dois dias depois, ela chegou em casa loira e com os cabelos lisos. Cansei do meu visual. Colocou dentro do
boxe um xampu para cabelos coloridos e outro para cabelos com alisamento e
relaxamento. O seu, querido, é para
cabelos grisalhos. Melhor do que para
cabelos com tendência a caspa, mas ela não riu da piadinha do marido.
Ele
saiu de casa no mesmo instante e voltou com o xampu que considerava adequado
para os seus próprios cabelos: sedosos e com brilho deslumbrante. Dessa vez ela
riu.
Uma semana depois ela chegou morena,
com um xampu para cabelos danificados e quebradiços. Muita química. Jogou para ele, mudo no sofá, um xampu antiquedas.
Ele tentou não demonstrar afetação,
mas passou dias trabalhando até mais tarde e lavando os cabelos com o primeiro
sabonete que encontrasse na pia ou no boxe.
Na noite passada, no caminho para
casa, viu uma farmácia iluminada com as portas abertas. Entrou hesitante,
fingindo para si mesmo precisar de um remédio para dor de cabeça. Com os
comprimidos nas mãos, antes de chegar ao caixa, simulou certa distração ao
olhar para os frascos coloridos de xampu arrumados na prateleira sob uma ordem
que ele era incapaz de decifrar. Sentiu o estômago se fechando num nó ao ver os
xampus para cabelos normais. Correu para o caixa, pagou pelas drágeas que não
serviam para sua dor, mas depois de entrar no carro e inspirar todo o ar da
noite, voltou resoluto para a farmácia e levou para casa um xampu restaurador.
segunda-feira, 16 de julho de 2012
A tarde
Uma tarefa enfadonha e
ingrata era o que a salvaria dessa tarde que parecia não acontecer. Estava
cansada do etéreo, precisava lavar, passar, cozinhar, arrumar, limpar e dormir
com as unhas das mãos esfareladas, sem pensar no horário da manicure e nas
unhas perfeitamente pintadas da vizinha. Esvaziou o cesto de roupas sujas, separou
as brancas das pretas e das coloridas. Resolveu lavar algumas camisas e uma
saia na mão, deixou-as de lado, em reserva, como na receita do bolo que faria
(talvez) mais tarde para as crianças. Jogou as brancas na máquina, não seguiu
as instruções para o uso do sabão e do amaciante - precisava de alguma
autonomia, escolheu o ciclo não delicado e ficou observando a água cair na
tina para logo depois preparar o varal. Desconfiava das secadoras e tinha medo
das panelas de pressão. Por causa deste não faria uma sopa para o jantar.
Macarrão era sempre mais fácil. E certo. Pegou a saia nas mãos, olhou para o
tanque e não sabia o que fazer com um e com outro - e com os dois juntos. Reservou a saia um pouco mais. Para
mais tarde. Talvez para amanhã. Ou para a lavanderia. As roupas brancas eram o
começo – do quê? Ligou a TV, fez um café, abriu uma revista de moda, outra de
decoração, outra de atualidades. Fechou todas. Separou as camisas do marido
para a tinturaria. Lavá-las na mão não era a única forma de mostrar seu amor. Entrou
debaixo do chuveiro e chorou.
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Leãozinho
E ela lembrou, assim, olhando para uma xícara de café, que
um dia ele cantou Leãozinho no ouvido dela, enquanto ela caminhava sob o sol e
sobre o asfalto. Porque você tem os cabelos
da cor do leão, foi a explicação que recebeu. Ela pensou que era porque
rugia quando ameaçada. Podia ser também.
Ou porque arrastava o olhar dele como um ímã. Podia ser também. Ou porque seu apetite era ardente. Podia ser também. Ou porque
desentristecia o coração daquele menino. Podia
ser também. Ou porque contemplava quando estirada. Podia ser também. Mas ela gostou mesmo foi de se saber leãozinho
porque dourada.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
Fantasmas
Resolveu contar carneirinhos
depois de três horas deitada na cama fingindo que dormia. Os primeiros eram
brancos e felpados e ela teve a impressão que sorriam, até que o trigésimo sexto
chegou com pelos sujos e falhados, sem força para saltar o obstáculo que sua mente
havia criado. Outros como este surgiram e se juntaram para acossá-la com raiva
e sangue nos olhos. Ela agarrou o celular que dormia ao seu lado e foi para o
banheiro fazer xixi.
Com frio nas pernas pensou em
acessar o Facebook, mas pressentiu que ver tanta gente feliz às duas da manhã não
lhe faria bem. Resolveu brincar de estourar balões, subiu a calça do pijama e
jogou três partidas, até achar que a garganta estava seca. Foi para a cozinha
beber um pouco de água – o suficiente para não ter que fazer xixi novamente nas
próximas cinco horas.
A geladeira com alguns potes de
iogurte e caixas de sucos sem conservantes que duram seis meses. O fogão quase
nunca usado, apesar dos protestos do marido. Sobre a mesa onde fazem refeições
silenciosas, o resto da pizza pedida para o jantar e um pacote de pão de forma
vencido. Deixou um pedaço de chocolate derreter na boca e mastigou um pedaço de
pão que ainda não estava verde. Pensou em fazer um chá, apesar de achar que
seria mais teatral tomar um vinho. Foi procurar uma garrafa.
Na sala, olhou para uma pilha de
revistas de decoração que não a inspiravam. Os sofás doados pela sogra não
combinavam com o tapete que comprou sozinha durante a liquidação de uma loja
chique. Pensou em jogar as almofadas pela janela, mas deixou-as onde estavam -
entrançadas com um cobertor sobre o sofá. Na parede, um quadro pintado pelo
tio-avô do seu marido que nada dizia a ela, a não ser “sou um quadro pintado
pelo tio-avô do seu marido”. Ligou a TV e em dez segundos viu o que passava em
mais de cem canais. Nenhuma comédia romântica que a fizesse ter vontade de se
apaixonar novamente. Parou num programa que vendia joias e viu as contas para
pagar – vincendas e vencidas, sobre a pequena mesa colocada sem pretensão no
hall. Pensou em arrumar uma mala e fugir
para Roraima. Lembrou do primeiro namorado que estranhamente não está no
Facebook. Desligou a TV, folheou uma revista de decoração de casas de praia,
que nunca teve, e decidiu voltar para o quarto.
No corredor, o quarto dos filhos
que não nasceram transformado num escritório com outra TV e um sofá-cama para a
sogra. Sentiu um aperto de saudades da irmã, com quem não fala há quase três
anos. Achou que seria só por uma semana. Num porta-retrato, a fotografia da mãe
antes da doença que a deixou órfã. Sentiu vontade de comer brigadeiro na
colher, sentou no sofá-cama e rezou o Pai Nosso até adormecer.
Às seis da manhã, no quarto
transformado em escritório sem cortinas, despertou. Tomou um banho completo,
que inclui cabelos lavados, vestiu uma roupa escolhida casualmente, pensou mais
na hora de colocar os sapatos, bebeu uma xícara do café que ela mesma fez, deu
um beijo no marido que acordava e foi fazer o que tinha que fazer.
domingo, 8 de julho de 2012
Passaporte
A viagem para o México que não fiz. A melhor tequila que não
tomei. Os vestidos mais bonitos que não vesti. A rosa vermelha
que não me encontrou. O sorriso que não se formou. O mi amor que não foi dito. O cabelo que não penteei. O xale que não
me cobriu. Os lençóis que não amassaram. As toalhas que não molharam. Os ovos
que não foram mexidos. Os braços que não se abriram. As crianças que não nasceram.
terça-feira, 3 de julho de 2012
Justine
Abriu a porta do armário. Vestidos, saias, calças, blusas, cintos,
lenços e sapatos para vestir o quê? A tela do celular acendeu no criado-mudo. Quem
definiu, afinal, o bom tamanho de um pênis? E o peso e a medida das mulheres? Uns
alargam outras encolhem e o celular também mostra um relógio inventado para
marcar um tempo que não é o dela. Quantos segundos para um cabelo embranquecer,
uma ruga crescer e um coração se recuperar? Todos os dias na mesma hora no mesmo
lugar em troca de um salário inventado por um sistema criado para custear
invenções de necessidades que não são (são? não são? são? não são?) suas. Qual
o preço da sua unidade? Os sapatos apertam os seus pés. Quem definiu o valor do
ouro, da prata e do bronze? Secador para os cabelos, cores para lábios, olhos e
unhas, a televisão ligada em mais de cem canais, cremes para evitar o
inevitável. Receitas de psiquiatras para a felicidade. Sorria, você está sendo
filmado. Rodou o quarto à procura do não inventado. Ergueu os olhos para
a invenção máxima já incapaz de confortá-la. Onde estavam suas apólices? Queria
a nudez do mundo. Arrancou o roupão e olhou-se toda no espelho. Só sua pele se
descolando dos músculos era genuinamente verdadeira. Mentirosos! MENTIROSOS! O cachorro acordou com o grito e sem
desviar o olhar das lágrimas tão conhecidas, mudou de posição para voltar a
dormir.
* imagem do filme Melancholia, de Lars von Trier.
segunda-feira, 2 de julho de 2012
Com os pés no tempo do ser
A terra acolhedora de pedregulhos
desconhecidos carregados pelo passado, a mangueira gestante de frutos que não
lhe pertencem, o pássaro ávido por uma minhoca sorvida por um chão faminto, o
sol escondido por uma nuvem empurrada pelo vento que tentou dizer que era seu
amigo, mas ela não ouviu porque estava com os pés para o alto sendo.
Nem feliz nem triste. Nem
inquieta nem tranquila. Apenas era. Como a manga verde pendurada no tronco onde
amarraram a corda balançante. O tempo em forma de vento sussurrava que era dela
enquanto brincava com seus cabelos. O chão se aproximava e se afastava se
aproximava e se afastava dos seus pés feitos para tocá-los (será?). Alguém
dentro dela ria e fazia cócegas na sua barriga. Vrum...ela ia...vrum...ela
vinha...vrum...vrum...o tempo disse que era seu amigo. Ela não escutou porque
um raio de sol ia queimar sua retina se ela não piscasse.
Ela era os pés jogados no ar, as
mãos molhadas, o estômago vazio, os olhos lacrimejantes, os cabelos espalhados,
os pelos arrepiados, os braços adormecidos, o olhar no horizonte, a fruta
esperando o tempo de cair, o farfalhar da mangueira nos seus ouvidos, o zumbido
da abelha, as nuvens que protegiam sua pele, o medo de cair e a certeza do chão
logo abaixo...ela era o silêncio brincando de viver. Vrum...eu sou seu amigo,
mas ela não escutou porque uma fruta ameaçou cair antes de amadurecer.
Não sabia o que poderia acontecer
e sabia que nada iria acontecer. A manga se segurou, ela também conhecia o seu
tempo. Era preciso esperar o doce suficiente. Suficiente para quê? Para ser
doce apenas. O pardalzinho riu, ele também sabia. Vrum...ei, me escute, eu sou
seu amigo, mas uma mecha se enroscou nos seus dentes que também sabiam ser só
de leite.
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