Sei lá, não sei,
talvez, um dia, que porra é essa?, acaba, assim, acaba, hoje pode ser seu
último sorvete, nunca mais sorvetes, o último pôr-do-sol, que da cidade grande,
grande, não, gigante, nem dá para ver, quem é que sabe que o sol se põe?, o sol
é bebê, mãe, ele me perguntou, para ficar nascendo todos os dias?, meu bebê,
que porra é essa?, que acaba, assim, sem sinal, mas se dá sinal é tão ruim,
melhor não saber, é mais bonito, não saber é mais bonito, se você vem ou não,
não sei, sei lá, talvez, queria dizer que pouco me importa, mas é mentira, e
não dá mais tempo para mentir, pode acabar a qualquer momento, já acabou e a
gente nem sabe que acabou, quando acha que vai viver de novo, comer de novo,
beijar de novo, rir de novo, chorar de novo, ver de novo, pedir de novo, já
foi, já tinha acabado, e gente fingindo que não, que sempre dá tempo, que
sempre tem um segundinho ali, à toa, à nossa espera, nada nos espera, ninguém
nos espera, queria dizer que pouco me importa, mas é mentira, eu olho para o
relógio, para a tela do celular, para a janela, para o céu, para as pessoas nas
ruas, para a pessoa na minha cama, que não é você, tudo bem também, é mentira,
não é tudo bem também, é mentira, é tudo bem também, sim, sei lá, que porra é
essa?
quinta-feira, 23 de abril de 2015
domingo, 19 de abril de 2015
Cocos
Na geladeira da minha infância sempre tinha um pote de vidro
ou de plástico cheio de pedaços de coco, com aquela casca marrom e cabeluda,
boiando numa água levemente turva. Sempre que eu abria a geladeira o pote
estava lá; eu aproveitava para comer um pedaço. Mas eu sabia que sempre que
abrisse a geladeira encontraria o pote; não se tratava, então, de aproveitar a
oportunidade, mas de receber o conforto do pote com pedaços de coco que sempre
estava lá. Um dia o pote não estava mais na geladeira. Um dia minha mãe parou
de comprar coco. Um dia foi o último dia em que abri a geladeira e o pote com
pedaços de coco estava lá. E a angústia, que ainda me faz lembrar daqueles
pedaços de coco com água turva no pote, é de que não percebi quando os cocos
deixaram de estar na geladeira.
terça-feira, 14 de abril de 2015
Carta ao mar
Uma tentativa:
de não odiar meus pais. de amar meus pais depois de ter me
tornado mãe. maternidade: um soco na cara, um pontapé no estômago: uma
tentativa de conviver com a falta de controle, uma tentativa de conviver com o
medo: da morte dos meus filhos; das baratas, dos vírus e das bactérias; da
matemática, de tudo o que é exato, planejado, formulado, enquadrado; de que vai
chover em dia de festa; de que não vai dar tempo; de ficar sem dinheiro para o
médico e férias no fim do ano; de precisar dos médicos; de viajar sempre no
final do ano; de ter hábitos; de morrer sem saber se alguém me amou e não me
contou. uma tentativa de acordar no dia seguinte, de dormir sem remédios, de
não queimar um bolo, de não culpar meu marido, de não castigar meus filhos, de
fazer alguma diferença como no dia em que me apresentei voluntariamente como
testemunha de um acidente de trânsito porque vi que a motorista do carro estava
certa e o motoqueiro estava errado, e podia ter sido o contrário, o motoqueiro
certo e a motorista errada, porque também sou uma tentativa de enxergar tudo
como novo e como possível. uma tentativa de ver hipopótamos voando. uma
tentativa de entender seja lá o que for, por mais estranho e inaceitável que
pareça, mesmo sem aceitar, talvez o maior dos meus fracassos. uma tentativa de
manter minhas agendas organizadas. uma tentativa de espalhar textos por aí. uma
tentativa de não sair maltrapilha pela rua. uma tentativa de não deixar minhas
entranhas expostas na praça. uma tentativa de me encaixar onde gosto e onde não
gosto, onde quero e onde preciso, até onde odeio. raiva e ódio têm em mim a
mesma proporção do amor e da ternura: uma tentativa de colocar a raiva, o ódio,
o amor e a ternura nos seus lugares. Até hoje, só um arrependimento: eu deveria
ter trepado mais. Muito mais.
segunda-feira, 13 de abril de 2015
Domingos
O que era
palpável – nós dois, domingo à noite, na
despedida para uma ausência de cinco, seis, sete ou quinze dias, aquele aperto
oco e ciente de que dali a cinco, seis, sete ou quinze dias sumiria, quando
nós, nós dois, nos tocaríamos novamente, nossas mãos, nossos pés, nossos
narizes, nossos peitos, nossas barrigas, nossas coxas, nossos cabelos, nossos
lábios, nossas risadas, nossos braços, nossos dedos – agora é só uma sombra. Não enxergo mais
a tristeza antecipadamente saudosa. Penso que vi um rato entrando no forno, mas não; não há nada ali. O que ainda hoje é palpável, outro domingo
depois de tantos e tantos domingos, agora com as crianças na sala – não nossas:
não há mais nada nosso, nem sonho – é só o aperto oco. Esse, penso agora,
enquanto as crianças jogam as almofadas no chão e sujam o tapete com suco de
uva e eu espero a água do macarrão ferver, esse aperto oco da noite de domingo,
em vinte anos, foi o único a não me abandonar.
sábado, 11 de abril de 2015
No e nada
Nonada. Eu não deveria nem tentar pensar em começar a
escrever o quer que fosse se alguém já escreveu um romance que começa
exatamente assim: - Nonada. Porque tenho o nada, mas não o no. E nada consigo
juntar ao nada porque o nada que carrego preenche todos os espaços de onde poderia
surgir o no. Carrego o nada até nos meus sapatos, na meia-calça que visto em
dias frios, no elástico que prende os fios do meu cabelo que não consigo manter
solto e balançante, no vão entre a aliança e o meu dedo anelar da mão esquerda.
Um homem e uma mulher se batiam hoje na praça, quando nem as pombas haviam
acordado. O nada que carrego nos meus sapatos doeu, mas, ainda assim, não
consigo encontrar o no para uni-los.
terça-feira, 7 de abril de 2015
Drenka
Quero ser
Drenka. Ter peitos fofos e ancas quentes. Dar. Dar para quem quiser. Colo.
Afago. Liberdade. Uma gargalhada e uma trepada enquanto espera o filho que
entrará pela cozinha depois de um dia de trabalho pedindo um prato de comida
quente. Dar o prato, contar uma história, perguntar como foi o dia, e depois
dormir, ao lado do marido com o cheiro do amante. Abraçá-lo: o marido, o
amante, o filho; pedir que vistam um casaco nos dias frios. Um amante ou dois.
Sair de camisola pela estrada para dar um beijo em quem precisa, ou só quer. Só
se eu quiser porque é de liberdade que se trata. A minha, a sua, a dele, a
nossa, as nossas. Vestir camisola: quero ser Drenka. Dizer minha última palavra
em croata. Lembrar da Dalmácia. Dizer sim: da,
Drenka, da.
segunda-feira, 6 de abril de 2015
Madrugada
Não sei
confirmar se foi sonho. Talvez só um desejo que nos consola na madrugada, que
nos faz acordar com uma esperança que se dissolve antes mesmo da primeira
xícara de café. Ele chegou carregando uma mala. Alguém, não interessa quem, me
disse que era porque ele vinha para ficar. Sim, óbvio, mas bom de acreditar. Então
esperei, mas agora me esqueci por quanto tempo, até destruir para sempre minha
crença em interpretações evidentes. Quem sabe vinha para me levar na mala,
morta e em pedaços? Quem sabe...quem é que sabe o quê? Saber que ele ainda
pensa em mim, numa madrugada, basta. É pouco, mas a cada amanhecer espero menos
das noites.
quarta-feira, 1 de abril de 2015
Roma
Se eu fosse, agora, para Roma,
compraria un gelato, per favore, ah, scusami, un gelato ao ciocollato, e deixaria que ele escorresse pelos meus dedos
enquanto eu sentaria num degrau da Piazza
di Spagna. Se eu fosse, seria agora, sem bagagem, sem aviso prévio, só para
tomar un gelato e voltar. E quando eu
morrer, o que dirão de mim (porque ainda haverá alguém a não me deixar morrer completamente), enquanto perco a forma confinada num caixão? Que
fui boa mãe? Que fui boa amiga? Que fui boa filha? Que fui péssima esposa? Que
tentei não explodir nem implodir? Que tentei o novo quase todos os dias? Que chorei tanto
quanto ri? Que nunca consegui fritar um ovo? Que amei menos do que poderia? Que
temi mais do que deveria? Às favas com tudo isso! Que digam que fui a Roma,
tomei un gelato e voltei.
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