A vizinha, por Maice Glaser (minha amiga)
No prédio ao lado do que moro vive uma mulher. Vivem muitas
mulheres, mas esta é a que me chama atenção. Ela é jovem, deve ter trinta e
poucos anos, tem os cabelos mechados, na altura dos ombros, é alta, é triste.
Enquanto coloco meu avental vermelho (presente do Dado para comemorar o
trigésimo sétimo jantar da turma) e começo a preparar os comes e bebes (mais
bebes do que comes), eu a observo. Ela tem um jeito indefinido e confesso que
meu olhar já não alcança tão longe, mas ela ne dá uma impressão de desassossego.
Parece uma personagem de algum livro Russo, talvez de uma história de amor
inacabada, talvez uma personagem à espera de uma história. O que sei é que ela
me intriga e me acalenta ao mesmo tempo. Gosto de vê-la ali, tão próxima e ao
mesmo tempo tão distante.
Enquanto preparo os aperitivos (o Léo diz que sempre tem que
ter aperitivos antes do jantar, para esquentar o papo), levanto o olhar de vez
em quando para a janela da cozinha dela. Muitas vezes tenho vontade de dizer a
ela (ainda tão jovem), que seja o que for que a angustia tanto, vai passar. Que
os dias correm sem piedade de nossos medos ou dúvidas. Correm. Que o que
importa é ter amigos (talvez um grupo de mulheres como estes homens que
frequentam minha casa há tantos anos). Amigos para o futebol, amigos para falar
sobre o livro que acabamos de ler, amigos para ir ao cinema, amigos que tenham
o número do telefone de nossos pais (os meus não mais) e nossos filhos (o Joca
tem o número do telefone de meus três filhos), amigos para o passeio da manhã,
outros para o bar da noite, outros para o silêncio. Dizer que esta solidão que
ela sente, não passa. Afinal, somos sós, mas isto não é necessariamente ruim.
Gosto de minha companhia. Mas não foi fácil chegar até aqui. Como diz o Paulão:
“É um longo caminho até nos sentirmos em casa, quando a casa é o que resta de
nós.”
Moça bonita, podia ser minha filha. E faz tempo que a danada
não me telefona. Vou ligar hoje e perguntar: “Babi, cadê você?” E ela vai rir e
dizer: “Pai, falei com você ontem.” E eu vou fingir que esqueci e vamos rir
juntos.
Ela podia ser minha filha. Se fosse, eu a colocaria no colo e
diria mais uma vez: “Isso vai passar.”
O Maneco está chegando. É sempre o primeiro. Vou colocar o
samba para tocar e ele vai dizer: “Samba é bão” e vai dar aquelas voltas pela
sala enquanto serve-se de cerveja.
Eu volto à cozinha e tenho vontade de acenar para a moça e
dizer: “Vem, vem dançar e comer e
beber com a gente”, mas ela parece tão longe, nunca olha em minha direção.
Talvez seja o choro embaçando o olhar. Moça bonita, assim não vai ver o Bão da
vida.
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