Se é minha
imaginação, ela é tão concreta e colorida que se transformou em realidade, mas
um dia eu perguntei, “vó, você nunca chora?”, e ela, sentada ao meu lado no
sofá, sem tirar os olhos da televisão, respondeu, “quem passa por guerra não
chora mais”.
Então é isso que
a guerra faz? Seca as pessoas? Esvazia o corpo de água?
Eu olhava para o
seu perfil, narigudo e queixudo, como todos os croatas se construíram na minha
mente, e pensava como ela podia ter deixado sua pátria com os pais e os irmãos,
depois de comer capim para não passar fome (ah, a guerra faz isso também),
depois de ver seu pai chorando por ter matado homens como ele, para poder se
manter vivo e voltar para a família (ah, a guerra faz isso também), rumo a um
país distante e estranho, na esperança vã de ter um pedaço de terra que nunca
veio (ah).
Como ela podia
ter chegado aqui e passado noites dormindo em estábulos, história que ela contava
rindo? Como ela tinha fugido com os pais de um dono de fazenda que os mantinha
como escravos? Como tudo isso tinha acontecido numa só vida? Como tudo isso
podia ter acontecido na vida daquela pessoa que estava ao meu lado? Como eu
tinha derivado daquela pessoa que deixou uma terra e tantos parentes para trás,
mas que toda noite rezava na língua materna?
Sim, eles vieram
no navio Sofia, em abril de 1925. Sim, foram para o interior de São Paulo de trem. Sim, dormiram no estábulo da fazenda Canaã. São fatos. E ela estava ali, sentada ao meu
lado, no sofá, olhando para a televisão, me explicando que quem passa por
guerra não chora mais.
Como?