O primeiro e o
segundo foram muito desejados. O terceiro foi um acidente, mas só ela e o
marido sabem. O quarto talvez não exista, mas isso só ela sabe. Não pense que
ela é uma mulher divorciada e desesperada por estar grávida de um homem com
quem não quer dividir responsabilidades. Está casada com o pai dos seus filhos há
quinze anos. Ele não chega em casa com flores, eles não dançam na sala ao som
de “She”, não rodopiam sorridentes em montanhas suíças, mas ainda unem suas
mãos na hora de dormir. Se um viaja, o outro se encolhe na incompletude da cama
e não dorme bem. E ainda se beijam quando dizem “bom dia”. Também não pense que
é outro homem o pai desse filho. Nesses quinze anos ela soube resistir às
tentações que, é claro, cutucaram os dois. Diz para as amigas que é só uma
questão de escolha.
Tem quase
quarenta anos, o caçula tem cinco e ela finalmente conseguiu fazer uma lipo no
abdômen e nas coxas e colocar 350 ml de silicone nos seios. Toma pílula todos
os dias na hora em que o alarme do celular toca (tem pavor de um dispositivo
dentro do seu útero), mas o ginecologista explicou que só a pílula não
conseguiu conter a fertilidade dela. Ela não sorriu com o médico. Ele indicou
um colega que faz o trabalho que ele não faz, mas só até a décima segunda
semana. Ela ainda tem quinze dias. Sente-se decidida até olhar para o número do
telefone da clínica. Sobre o dinheiro que vai sair da conta para essa operação,
ela pode dizer que foi um empréstimo para a melhor amiga. Acaba quase sempre
virando uma doação mesmo.
Se o marido
souber – da gravidez (da intenção, jamais), vai dizer que Deus está lhes
mandando outro presente, que darão um jeito nas economias e que as noites mal
dormidas são só uma fase. Podem contratar uma enfermeira e as outras crianças podem
até ajudar, a mais velha já completou dez anos. Talvez deixem de viajar um mês
por ano, mas quinze dias já proporcionam memórias alegres e boas fotos. E daí se
o inglês, o espanhol, o balé, a natação, o judô, o futebol e kumon forem
reduzidos a duas ou três atividades? E como dizer que uma casa que acomoda
cinco não acomoda seis?
O que ele não
vai entender é que ela não quer ser novamente controlada por hormônios inimigos
durante nove meses – nem por nove dias. Não quer correr o risco de mais uma depressão
pós-parto – se de três, uma, por que não de quatro, duas? Não quer o peso de
uma barriga que deixará seus músculos flácidos e sem posição para dormir. Os
peitos incham e vazam e ela nunca achou isso romântico. E agora com esse
silicone nos seios, o que acontecerá com o leite? Ela não perguntou porque se
achava fora de risco. E não quer mais um ser humano para escravizá-la e fazê-la
sentir pavor da morte deles (não pode nem pensar nisso, ela nem permitiria que “morte
deles” fosse escrito). A loja novamente sob os cuidados das funcionárias
distraídas e ela tão dividida quanto um quebra-cabeça de cinco mil peças
desmontado. Com os olhos inchados e doloridos, chutou a parede do quarto quando
pensou no bebê conforto, na decoração do quarto, na cadeirinha para o carro, no
colchão anti-refluxo, no cadeirão num canto da sala, nas visitas mensais ao
pediatra, nas fraldas, na esterilização das chupetas e das mamadeiras, nas
madrugadas chorosas, nas febres, nas cólicas, nas papinhas batidas, depois
peneiradas, depois amassadas e por fim cuspidas. Já tem em casa três crianças que
a abraçam no fim do dia e dizem “eu te amo” e “estava com saudades”. Sim, a
quarta poderia ser mais uma carinha linda com duas mãozinhas apontadas para o
seu colo, às quais ela não iria resistir. Mas no fim dessas linhas, eu e você
sabemos: a escolha é dela.
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