Ela não se lembra da aula.
Não era de música nem de nenhuma outra arte, disso ela tem certeza. Também não
era recreação, pois todas as crianças, entre vinte e trinta, estavam sentadas
olhando para a lousa. O que aprendem as crianças na escola, aos oito anos de
idade?
O que ela lembra é de todos
estarem sentados e a professora na frente da classe, em pé, com um cabelo
loiro, comprido e escorrido que ela sonhava em ter quando tivesse a idade dela.
Queria também aqueles peitos e a cintura fina. Devia ser tão bom ser mulher
como se deve.
Também não era aula de
matemática porque em quase todas as aulas de matemática ela fingia uma dor de
cabeça de tirar lágrimas dos olhos e a professora a deixava ficar quieta na
carteira, com a cabeça baixa, apoiada sobre os braços cruzados. Ela às vezes
erguia um pouco a cabeça, só um pouco para não correr o risco da professora
perceber, e olhava com um dos olhos para a lousa, quem sabe alguma daquelas
regras começasse a fazer sentido; mas não. Nunca fizeram.
Então devia ser aula de
português, tão natural para ela quanto beber água quando se tem sede. Ou de
história e geografia, quem sabe ciências. A professora explicava alguma dessas
coisas para as crianças quando ela levantou a mão:
Professora, posso cantar uma música?
A professora com o braço
suspenso na frente da lousa, os olhos dos colegas voltados para ela, justo ela,
que se avermelhava toda com olhares, ela em pé, caminhando para a frente da
classe, sem qualquer explicação ou justificativa:
Criança feliz, feliz a cantar
Alegre a embalar
seu sonho infantil
Oh! meu bom Jesus,
que a todos conduz
Olhai as crianças
Do nosso Brasil
Crianças com alegria
Qual um bando de andorinhas
Viram Jesus que dizia
Vinde a mim as criancinhas
Hoje no céu um aceno
Os anjos dizem amém
Porque Jesus Nazareno
Foi criancinha também
Ela não cantou o refrão de
novo. Apresentação única. A professora puxou os aplausos e agradeceu a música
enquanto a menina que não aguentava os olhares sobre ela e tinha dúvidas sobre
o significado de Jesus Cristo na sua vida voltava para a carteira para
continuar a prestar atenção na aula. Ninguém perguntou nada sobre a cantoria,
certamente desafinada e desajeitada, a menina era alta e tinha braços e pernas
compridas e finas que nunca sabia onde enfiar; ela nunca deu uma explicação
sobre esse ímpeto meio lúdico, meio nacionalista, meio religioso, ou só mesmo ímpeto sem
qualificação, nem mesmo para a mulher em que se transformou.
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