quinta-feira, 23 de julho de 2015

O jogo

Hoje eu devia ter acordado, escovado os dentes, tirado o pijama, vestido a roupa de ontem jogada ao pé da cama, amarrado o cabelo com um elástico gasto, tomado uma xícara de café preto sem açúcar e saído pra rua pra jogar no bicho. Em que bicho a gente aposta, meu senhor, quando sonha que perdeu os dentes? E se esse mesmo sonho aparece duas vezes em menos de uma semana? Tem urubu aí, meu senhor? Quero apostar no urubu que está me espreitando nas madrugadas, me dê aí um urubu, não me venha com o pavão, não vê que é bonito? Então me dê a cobra que quero enganar quem quer me matar, quero enganar quem confia em mim, quero enganar quem me quer bem, não quero mais acordar com dores de cabeça às três da manhã, sempre as três horas de uma manhã sem sol, quero dinheiro fácil pra encher meu armário de bolsas e sapatos, quero rir de quem acredita em mim, e rir alto, e rir olhando nos olhos, seus trouxas!, e rir feito bruxa, tem sapo aí, meu senhor, ou morcego? E depois eu devia ter tomado um litro de pinga pra ficar caída numa calçada qualquer, ainda rindo. Vai, meu senhor, me dê aí o que o senhor tem de mais feio, mesmo que seja o peru. 

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