Hoje eu devia
ter acordado, escovado os dentes, tirado o pijama, vestido a roupa de ontem
jogada ao pé da cama, amarrado o cabelo com um elástico gasto, tomado uma
xícara de café preto sem açúcar e saído pra rua pra jogar no bicho. Em que
bicho a gente aposta, meu senhor, quando sonha que perdeu os dentes? E se esse
mesmo sonho aparece duas vezes em menos de uma semana? Tem urubu aí, meu
senhor? Quero apostar no urubu que está me espreitando nas madrugadas, me dê aí
um urubu, não me venha com o pavão, não vê que é bonito? Então me dê a cobra
que quero enganar quem quer me matar, quero enganar quem confia em mim, quero
enganar quem me quer bem, não quero mais acordar com dores de cabeça às três da
manhã, sempre as três horas de uma manhã sem sol, quero dinheiro fácil pra
encher meu armário de bolsas e sapatos, quero rir de quem acredita em mim, e
rir alto, e rir olhando nos olhos, seus trouxas!, e rir feito bruxa, tem sapo
aí, meu senhor, ou morcego? E depois eu devia ter tomado um litro de pinga pra
ficar caída numa calçada qualquer, ainda rindo. Vai, meu senhor, me dê aí o que
o senhor tem de mais feio, mesmo que seja o peru.
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