Meus filhos,
não sei como escrever
isso de uma forma simpática. O que eu quero dizer é: a vida adulta é chata.
Sim, a gente
pode dirigir, ato com o qual toda criança sonha, mas junto com o dirigir vem o
preço do carro, o preço da gasolina, o preço do imposto, o preço da manutenção,
o preço do seguro, os problemas causados por tanta mercadoria fabricada para
ser descartável, incluindo os automóveis. E enquanto dirigimos pensamos mais
nesses problemas do que no prazer de poder ter um carro que nos leve de um
lugar a outro, ainda mais se estivermos numa cidade grande, o que significa que
levamos muito tempo para ir de carro de um lugar a outro, somado ao medo de que
alguém aponte uma arma para vocês enquanto estamos parados no trânsito. Ou
seja, o prazer mesmo é sonhar em estar na direção de um carro.
A gente também
pode fazer algumas coisas sem ter que pedir dinheiro para os pais ou avós, mas
às vezes, e cada vez mais, acabamos pedindo dinheiro não só para os nossos pais
(os avós não porque na maioria das vezes já estão mortos), mas também para os
tios, vizinhos, amigos e para o banco. E pagamos escola e convênio médico e
aluguel e prestação da casa própria e energia e água e gás e internet e
telefone e televisão a cabo e supermercado e farmácia e impostos e festinhas de
aniversário e balé e judô e natação e inglês e chinês e terapia e dentista e
médico e precisa de roupa e de sapato e de um cineminha e aí não sobra para um
mês de descanso numa praia qualquer. E passamos os dias recebendo boletos e
pensando em como pagá-los.
A gente também
pode trepar sem se preocupar em ser pego pelo pai ou pela mãe, mas o fato é que
os preços e as contas e o correr atrás de tantas necessidades e vontades nos
deixa cansados demais para isso. No fim do dia, tudo o que queremos é dormir.
Mas também não conseguimos porque adulto tem insônia.
E sempre tem alguém
doente, sempre tem alguém precisando de mais ajuda do que nós, sempre tem um
chefe gritando na nossa orelha, sempre tem um cliente nos pedindo mais do que
podemos dar, sempre tem uma meta, sempre tem alguém esperando algo de nós,
sempre tem tempo faltando, sempre tem uma dor em algum lugar do corpo, sempre
tem uma frustração e uma traição e quando chegamos em casa, à noite, mais tarde
do que desejamos, queremos esticar o corpo e ficar no silêncio. Uma música num
volume baixo, no máximo. E vocês não entendem isso, é claro que não. Passaram o
dia nos esperando para poder pular em cima de nós, seja no sofá, na cama ou no
vaso sanitário. Passaram o dia nos esperando para poder contar as histórias dos
krakens, dos unicórnios, dos vampiros, do Naruto, do Harry Potter, do Luke
Skywalker, e a gente está tão ligado na não-ficção...e a gente não desliga. E
sobra para vocês o nosso cansaço, a nossa falta de paciência, o nosso entendimento
tão estranho da vida, o nosso medo de dizer chega e tentar, ao menos, ter um
controle maior sobre a nossa vida.
E toda segunda prometo
que será diferente (desisti do regime). E todo domingo acabo chorando. E toda
segunda prometo. E todo domingo choro.
Hoje é segunda.
Vamos tentar mais uma vez.
Mamãe
quanta verdade. vem pra cá.
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