Almoço com ele à minha frente, na
mesma mesa, almoço sozinha. Enquanto ele tem os olhos vidrados na tela do
celular, engulo pedaços de um frango seco com brócolis murcho. Sinto meus pés
formigarem, será um ataque de pânico, merda, na mesa central de um restaurante
na hora do almoço? Reparo no executivo à mesa na minha frente, camisa e
gravata, falando ao celular com uma cliente sobre tesouro, rendimento, PGBL,
VGBL, porcentagens, o formigamento desaparece, vai ver era só carência. O
sorriso do executivo é bonito, branco e aberto, mas não gostei do modo como
segurou os talheres. Merda, por que preciso reparar em detalhes que não me
farão feliz? Se ele fosse me comer, não seria com talheres mesmo. Ele me
comeria sussurrando porcentagens na entrada e na saída, taxas de administração,
tesouro nacional, lastro, come, baby,
come? Mas não gostei do modo como segurou os talheres, sem refinamento, e
isso é uma barreira intransponível. Então ele, que está e não está comigo,
levanta os olhos da tela do celular. Me viu parada ouvindo a conversa alheia. Me olha com olhos de juiz. Me
acha uma inútil que só serve para roubar as conversas dos outros. E o brócolis
está, mesmo, murcho demais.
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