Para a senhora cujo nome esqueci...
Sempre achei que
meus cabelos de neve não combinam com meus olhos e meus passos. Mas deixei-os
assim mesmo. Nunca gostei de fingimentos.
Nasci no litoral
do Brasil, pelas mãos de uma freira, mas ainda pequenina meus pais me levaram
para a Alemanha em plena guerra. Escondia-me dos aviões quando estes abriam
suas barrigas e soltavam filhotes capazes de matar os filhos de minha mãe, tias
e vizinhas, mas ainda assim me apaixonei por eles.
De volta ao
lugar em que tudo se plantando dá, não mais na praia, que havia se tornado um
lugar proibido para os alemães, moldei o próprio objeto de minha paixão, peça
por peça, sob o olhar de homens desconfiados. Segurava no manche como quem
segura na mão do homem que ama e com ele conheci o Brasil por cima e por dentro.
Ai, quantas paixões essa terra pode despertar num europeu. Era um cuco no meio
de araras, papagaios, tucanos, sanhaços, tuiuiús e macucos. Até que um deles gritou
“bem-te-vi”. Casei e tive quatro filhos. Não me lembro quantos netos tenho,
hoje os pais educam as crianças com muita liberdade. O bem-te-vi foi embora.
Encontrou um urubu fêmea filha de Exu-pagão. Achei melhor me proteger e fui
estudar Radiestesia. Por isso não tiro esse pêndulo do pescoço. Mas o bem-te-vi
será meu eterno companheiro.
Cada dia é uma
aventura, como nas viagens que fazia com meus filhos para a Grécia. Pena que
não consigo mais companhias para viagens. As amigas que caminham com a terceira
perna não podem seguir comigo. Na verdade, não tenho paciência para elas. Depois
do bem-te-vi conheci um terno-gravata-e-pasta. Os vôos eram mais seguros, mas não
perdi mais o fôlego. Mas esse também já foi. Ao menos me deixou sem preocupações. Como disse,
cada dia é uma aventura e ainda vivo ansiosa pelo amanhã.
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