E se hoje ela
acordasse e lavasse o rosto sem se preocupar em maquiá-lo? E se penteasse os
cabelos com os dedos e vestisse camiseta, calça jeans e tênis e ficasse bonita?
Sem vestido ou saia que revelasse a falta de tempo ou a preguiça para a
depilação. E se não colocasse brincos e anéis e pulseiras? E se saísse com os
óculos ao invés das lentes? E se conseguisse parar e silenciar e descobrir,
afinal, do que gosta.
Saiu com um
vestido que mostrava as pernas peladas e macias, sapatos que combinavam com a
bolsa, axilas lisas e perfumadas, lábios avermelhados pelo batom e cílios
alongados pelo rímel, cabelos minuciosamente embrulhados num coque, o olho
direito levemente irritado pela lente e um sorriso que custou a aparecer quando
passou pelo porteiro.
O ônibus
atrasado, os bueiros entupidos de falta de educação, o livro que não conseguia
tirar da bolsa. Seguiu a pé, mesmo com o temor de chegar suada ao local onde
chegava todos os dias na mesma hora. E no caminho, uma igreja. Olhou para o céu
fechado pelas nuvens. O deus perdido nos pais nossos da infância, mas entrou,
ouvindo só os saltos dos seus sapatos contra os ladrilhos. Ajoelhou, agradeceu
e abriu o livro que esperava o silêncio.
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