quarta-feira, 13 de março de 2013

Silêncio


E se hoje ela acordasse e lavasse o rosto sem se preocupar em maquiá-lo? E se penteasse os cabelos com os dedos e vestisse camiseta, calça jeans e tênis e ficasse bonita? Sem vestido ou saia que revelasse a falta de tempo ou a preguiça para a depilação. E se não colocasse brincos e anéis e pulseiras? E se saísse com os óculos ao invés das lentes? E se conseguisse parar e silenciar e descobrir, afinal, do que gosta.

Saiu com um vestido que mostrava as pernas peladas e macias, sapatos que combinavam com a bolsa, axilas lisas e perfumadas, lábios avermelhados pelo batom e cílios alongados pelo rímel, cabelos minuciosamente embrulhados num coque, o olho direito levemente irritado pela lente e um sorriso que custou a aparecer quando passou pelo porteiro.

O ônibus atrasado, os bueiros entupidos de falta de educação, o livro que não conseguia tirar da bolsa. Seguiu a pé, mesmo com o temor de chegar suada ao local onde chegava todos os dias na mesma hora. E no caminho, uma igreja. Olhou para o céu fechado pelas nuvens. O deus perdido nos pais nossos da infância, mas entrou, ouvindo só os saltos dos seus sapatos contra os ladrilhos. Ajoelhou, agradeceu e abriu o livro que esperava o silêncio.

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