terça-feira, 12 de agosto de 2014

A primavera e a seca

Ela não tinha mais que um metro e sessenta. E pesava bem mais do que podia aguentar sua baixa estatura.  Aparentava estar na faixa dos setenta, mas tenho uma certeza que não sei de onde vem que ela não tinha chegado aos sessenta. A pele estava queimada, era dura e craquelada. Os cabelos grisalhos, até a cintura, estavam presos num rabo de cavalo indolente. Ela caminhava vestida de azul, passos apressados, quando se curvou diante de um canteiro e começou a puxar dos pulmões algo pesado e antigo. O som desse algo vindo raspava na garganta, imaginei o concreto sendo preparado na betoneira, quando ela abriu a boca e cuspiu uma, duas, três, inúmeras vezes um muco espesso e esverdeado. E barulhento. Mas então ela levantou os olhos e viu que despejava o catarro numa primavera florida. Que linda, ela disse enquanto cheirou a flor roxa. E continuou a caminhada. 

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