Agora que ela foi embora, sem bater a porta, sem gritar, sem
desejar a morte dele, sem pedir que ele nunca mais a procure, sem quebrar os
porta-retratos, sem cuspir na cara dele, ele se arrependeu de não ter decorado
as orelhas dela. Teriam elas alguma pintinha ou mancha? Uma pequena deformidade
transformada em charme, como um lóbulo rasgadinho no meio que ficasse no
formato de um coração? Orelhas que ele tanto beijou, lambeu e mordeu. Orelhas
que ouviram tantas palavras sujas e limpas. E ele não sabia nada delas. Tirou o
celular do bolso e procurou pelas fotos dela, da época em que ela ainda ria.
Eles riam. Deu zoom nas fotos, mas em todas as orelhas não apareciam,
escondidas pelo cabelo castanho, cacheado e comprido. Tem certeza que deseja
excluir todas as fotos? Apertou o sim.
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