terça-feira, 26 de agosto de 2014

Orelhas


Agora que ela foi embora, sem bater a porta, sem gritar, sem desejar a morte dele, sem pedir que ele nunca mais a procure, sem quebrar os porta-retratos, sem cuspir na cara dele, ele se arrependeu de não ter decorado as orelhas dela. Teriam elas alguma pintinha ou mancha? Uma pequena deformidade transformada em charme, como um lóbulo rasgadinho no meio que ficasse no formato de um coração? Orelhas que ele tanto beijou, lambeu e mordeu. Orelhas que ouviram tantas palavras sujas e limpas. E ele não sabia nada delas. Tirou o celular do bolso e procurou pelas fotos dela, da época em que ela ainda ria. Eles riam. Deu zoom nas fotos, mas em todas as orelhas não apareciam, escondidas pelo cabelo castanho, cacheado e comprido. Tem certeza que deseja excluir todas as fotos? Apertou o sim.

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