O telefone
tocou. Eu de camisola no meio da sala. A faxineira no banheiro. “Não, não está
tudo bem”. O telefone no chão. Como uma amiga morre sem avisar? Como uma amiga
morre tão jovem sem me dar a oportunidade da despedida? Não vi o seu diploma,
não acompanhamos nossos casamentos, não vimos nascer nossos filhos, não
sofremos nos nossos divórcios, não tomamos mais vinho, não ouvimos mais Chico e
Caetano, não terminamos mais uma conversa no meio-fio. Quem vai me ligar rindo
ou chorando? Para quem eu vou ligar mais chorando do que rindo? “Não, não está
tudo bem”. Minha camisola molhada de sal. O telefone no chão. Na rua os
motoristas de uma manhã de segunda-feira. O estacionamento lotado do
supermercado. O que se come quando uma pessoa tão jovem morre? Socorro, meu pai.
Socorro, minha mãe. Socorro, minha amiga. A hora da estrela e um girassol. Um
abraço. O grito da minha mãe. Da mãe dela. O grito de dor de todas as mães. Quem
pode decretar a proibição da morte de um filho? E de um amigo? Frio no dezembro paulistano. O balde no meio da sala, minha
camisola molhada, meus olhos inchados, meu suor pelas costas, o cheiro de éter,
as buzinas do lado de fora, o copo d’água na mão da faxineira. O telefone no
chão. Há quatorze anos, o telefone ainda no chão.
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