- Ai, que demora.
- É.
- E minha bexiga já está cheia. Não
sei se vou aguentar até me chamarem.
- Eu tô enchendo a minha.
- Vai fazer ultrassom?
- Vou.
- E o transvaginal, também?
- Também.
- Ai, detesto.
- Eu também.
- Outro dia fiz um papanicolau que
quase me rachou no meio. Perguntei se tinha lâmina no aparelho que eles usam.
Que dor!
- Credo!
- Mulher sofre, né?
- Sofre. Mas antes sofrer por
prevenção, né?
- É. Homem não aguentaria.
- Não.
- Pra você ver: uns anos atrás, uns
doze anos, meu marido me deixou pra viver com a amante. Foi todo feliz, né,
viver a paixão. Eu fiquei sozinha com meu filho e minha filha. E trabalhando
pra ganhar meu dinheiro, porque amante não quer dividir nada com ex-mulher. Meu
marido já era diabético. Aí seis anos atrás meu filho morreu...
- Meu Deus! Como?
- Acidente de moto.
- Sinto muito.
- Pois é, chegou sexta-feira da
faculdade, deixou a mochila no quarto, pegou a moto e foi ver uma amiga. Tinha
vinte e quatro anos. Um carro passou por cima dele. Até hoje a mochila dele
está no mesmo lugar... os livros, os cadernos, os CDs, as roupas, a cama. Vai
que ele volta, encontra tudo no lugar que deixou.
- Eu sinto muito.
- Acredita que até hoje eu saio no
quintal e grito? É uma dor...uma dor assim...desesperadora...aí tenho que
gritar.
- Posso imaginar... mas não quero.
Desculpa.
- Tudo bem. Agora eu começo a
acreditar que ele não volta mesmo, mas acho melhor as coisas ficarem lá, por
via das dúvidas.
- Eu sinto muito.
- Mas então... aí meu filho morreu e
meu marido, ex-marido, o pai dele, entendeu?, não aguentou. A diabete agravou e
ele ficou mal, muito mal mesmo, quase morreu. Depois perdeu o emprego, não quis
fazer mais nada. E a amante largou, né? Quem quer cuidar de velho doente? Aí,
adivinha... voltou pra casa. Não como marido, entende?, mas como pai do meu
filho. Eu já tinha perdido o filho mesmo, o que podia ser pior? Agora ele fica
lá, mas não dorme comigo, não. Dorme no quarto do nosso filho. Todos os dias
limpa, deixa arrumado. Mas você vê, não aguenta. Pelo menos agora a gente tem
um netinho. Minha filha é solteira, engravidou e mora com a gente. O Pedro tá
com oito meses. Meu marido, quer dizer, o avô do meu neto, entendeu?, pelo
menos se ocupa com ele. Sai passear. Fica o dia inteiro, se deixar, com o bebê
no colo.
- Que bom.
- Ah, pelo menos distrai, não fica só
jogado pelos cantos. Eu sou filha única, perdi minha mãe faz dois meses, é
tanta dor, nem sei mais qual é qual. E a casa, minha filha, meu neto, meu
marido... quer dizer, ex-marido doente, o trabalho. Você vê: homem não aguenta...
- Sra. Bárbara...
- Ah, sou eu. Já não tava aguentando essa
bexiga cheia.
- ... Até logo... Boa sorte.
- Pra você também. Foi um prazer, viu?