sexta-feira, 19 de junho de 2015

Bexigas


Noite. A cidade é grande. E mal iluminada. E ela estava no centro, onde a barbaridade começou. E onde continua, quatro séculos depois. Tropeçou numa pessoa dormindo. Achou que era um saco. De lixo. De entulho. De merda. Mas não, era gente. Gente dormindo. Bêbada. Drogada. Tomara. Que careta aguenta esse frio aqui fora? Fechou ainda mais o casaco, as mãos como que em prece no peito, acelerou o passo, parou o primeiro táxi que viu passar. Entrou. Disse o endereço, com a mania de perguntar o senhor pode me deixar lá? Onde você quiser, querida, foi a resposta que ela ouviu, pensando em descer ali mesmo. Mudei de ideia. Não vou mais. Vou ali me deitar, na calçada, por baixo do jornal de hoje que ela sempre pensava em queimar, quem sabe as desgraças de todo dia se esvaíssem com a fumaça. Quem sabe o taxista não fosse mal, mesmo com a cara bexigosa, apesar da cara bexigosa, por causa da cara bexigosa. O celular dele apitou, ela viu, a tela com uma mulher de peitos gigantes de fora, uma boceta pelada, um dedo indicador numa língua vermelha e molhada, ela fingiu que não viu, ele fingiu que não viu que ela viu, ela olhou de novo para ele. Apesar da cara bexigosa. 

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