quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Consolação x Caio Prado

Eu não vi.

Quando cheguei, o fato que eu não sei qual é já tinha acontecido.

Eu só vi um homem de meia-idade, negro, tórax bem forte, parado na rua, ao lado de um carro que esperava o semáforo ficar verde, onde dentro estava uma mulher velha, mas ainda apegada à juventude, com cabelos tingidos de loiro, uma boca que lembrava a da Angelina Jolie, óculos escuros sobre os cabelos presos, sombra, rímel, lápis de olho, blush e batom derretendo – tudo derretendo, com uma blusa de alças finas e decotada.  

Eu vi uma mulher jovem, essa sim jovem, com saia curta, blusinha colada ao corpo magro, meias até as batatas das pernas e botas, segurando um canudo bem grande, desses canudos que guardam plantas de casa, desenhos, essas coisas, debaixo de um dos braços, parada na calçada, quase em frente ao homem que estava na rua parado ao lado do carro com a mulher velha que queria ser jovem.

O homem gritava para a mulher jovem que ela deveria respeitar a mulher velha que queria ser jovem porque era uma mulher de idade, você não está vendo?

A mulher jovem gritava que a mulher velha que queria ser jovem deveria respeitar um cachorro porque cachorro também merece respeito, sabia? E que se dane a idade dela!

Vi um cachorro que devia ser cachorra porque estava com uma coleira rosa, ao lado de uma mulher gorda e suada que também estava na calçada, mas que não abriu a boca.

O homem continuava pedindo respeito. A mulher jovem continuava pedindo respeito. A mulher velha que queria ser jovem pediu respeito. Os transeuntes começaram a assobiar e a gritar e a tomar partido, mas não sei de quem, porque todos gritavam uns com os outros pedindo respeito.

A cachorra, eu vi, aproveitou para fazer xixi e cocô na calçada. E sentou para esperar a mulher gorda e suada se mexer.


Depois disso, não sei. Estava com pressa e atravessei a rua. 

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