terça-feira, 7 de outubro de 2014

Onze horas


Meus ombros não seguram minhas bolsas. Alças longas ou curtas. Mesmo as das mochilas: todas escorregam. O esquerdo mais escorregadio que o direito. Não sei se nasceram assim ou se foram cedendo à gravidade da vida adulta, minuto a minuto. O esquerdo mais que o direito: não sei explicar. Só sei que não seguram bolsas e mochilas. As onze horas da noite daqui não são como as onze horas da noite de lá. E eu nunca estou em um só lugar. Vejo uma luz da janela da sala que ontem não existia: as copas das árvores estão roxas hoje. Não ontem. Fecho todas as janelas, mesmo as pequenininhas dos banheiros. Mesmo no vigésimo andar: tenho medo que as pombas invadam meu sono depois de tanta luta para conseguir estar em um único lugar:  só sei ser no inconsciente. Todo o resto, me escute: não sou eu. Não consigo dar voltas suficientes nas chaves para que o medo fique do lado de fora. Sou só, eu e ele: eu o conteúdo. Não acredito no sapato de salto, no terno e gravata, nos diplomas, no avião, na impressora, na fidelidade, no relógio, no mapa da Rússia, na memória do meu pai, em todas as decisões que tomei ontem, na constituição, na nota promissória, na confissão, na palavra dele, na contabilidade e no um mais um. Que hoje, aqui, nesse quarto, são três. E meus ombros não suportam essa conta.  

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