Mais um vinte e um de dezembro, mais uma manhã em que, desde
mil novecentos e noventa e oito, eu só penso naquele telefonema, o telefonema
em que uma voz me contou que ela, ela minha amiga, ela minha melhor amiga,
estava morta, assim, dormiu e não acordou. Amigas não deviam dormir e não
acordar, não acordar nunca, não acordar nunca mais. Amigas não deviam dormir
para sempre com as respostas que queríamos ouvir. Eu, gritando e rodando por um
apartamento à procura de algo ou alguém que me segurasse, o telefone no chão.
Ela, ninguém podia nos salvar, sem acordar. Ela, que tinha voltado no dia
anterior da primeira viagem que fez com o namorado, que nem me contou se tinham
comido muito acarajé e frutos do mar; se gostaram das praias; se ele era uma
boa companhia em outras terras; se ela ficou à vontade com ele na primeira vez
juntos num hotel, num avião, num táxi de ida e volta para o aeroporto. Ela não
acordou e fiquei sem saber dessa viagem. Fiquei sem poder contar a ela das
minhas. Fiquei, assim, com a garganta interrompida desde aquela manhã em mil
novecentos e noventa e oito, quantos anos atrás?, perdi as contas quando minha
amiga não acordou. Para sempre.
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