Meio-dia. Google. Clínicas de massagem. Tem horário? Em dez
minutos estava lá, com o cabelo solto, sem anéis, brincos, pulseiras e colares
e com a roupa mais confortável que me deram, um calção que serviria para um
jogador de basquete e uma camiseta dessas boas para dormir. Ela toca os meus
ombros. Tensos, não? Hum-hum. Fecho os olhos. Ela continua nos ombros. Isso é
bom, muito bom, tenho vontade de chorar, mas é massagem e não terapia, apesar
de eu não saber mais o quê é o quê. Eu devia voltar para a terapia, mas e a
preguiça de falar tudo de novo? Lembro do meu marido ligando para a amante dele
na minha frente. E depois da amante que ele marcou no celular com nome de
homem. E depois a amante com quem ele jantava enquanto dizia que estava no
trabalho até mais tarde blá blá blá, ela massageia meus braços e minhas mãos.
Tão bom massagem nas mãos, não para, não para, minhas mãos sempre apertadas,
comprimidas, doloridas. Acordo no meio da noite para esticar os dedos. Para quê
tudo isso se vou morrer? Os cus de Judas, Lobo Antunes, é isso, os cus de
Judas, estamos todos nos cus de Judas, uns mais no fundo, outros mais na borda.
Acabou a massagem nas mãos, mas tinha tanto mais para soltar. Preferia estar sem roupa e coberta de óleos. Eu devia arranjar
um amante. Aquele pai gostoso que conheci na porta da escola de natação, ele
divorciado com um filho alegre e eu com os meus tentando escalar meus braços, engasgando
para dizer que era casada, devia ter mentido, burra, mas eu estava tão feia
naquele dia, e o pai era uma coisinha linda e gostosa, cheiroso, e
eu sempre com o rímel borrado, metade do cabelo preso, naquele dia com uma saia
que não combinava em nada com a blusa, nem com o sapato, naquele dia eu passei
as horas achando que ia enfartar, e ainda tive que levar as crianças para a
natação, sobrou para mim, sempre sobra, a natação, o futebol, o pediatra, o
dentista, meu deus, há quanto tempo eles não vão ao dentista?, e os presentes
para as festinhas, e os lanches para os passeios, as autorizações para os
passeios, as lições de casa, e o pai gostoso ali, sorrindo, conversando, eu
fingindo que tinha um mínimo de normalidade em mim, e o cliente no fechamento
de um contrato, posso assinar mesmo, doutora?, conferiu tudo?, e o pai gostoso
dizendo que eu não tinha cara de advogada, claro que não, eu sei que não, mas
acredite, posso me vestir como uma, e também me dizendo que não tenho cara de
brasileira, o que ele quis dizer com isso?, eu devia ter dito por que não
saímos da porta dessa escola de natação cheia de vírus e bactérias e vamos para
um canto limpo, acabei de me lembrar que não sou mais casada, é o costume, e
agora ela está na minha lombar, dói, dói muito, dói de tanto carregar criança
para a cama, do sofá para a cama, do carro para a cama, da minha cama para a
cama deles, da cama deles para a minha porque eu também sinto medo, também tenho
pesadelos, há sempre alguém rindo da e na minha cara nos meus pesadelos, e sim,
sou risível, não suporto mais fingir que não, por isso a lombar dói desse
jeito, a bunda, a bunda das amantes, mas eu também já tive uma bunda boa, ô,
mas tudo cai, meu pai sempre me lembrava disso quando percebia que eu tinha um
orgulho além da conta da minha bunda, então a gente cuida da cabeça, agora nas
pernas, não sinto nada nas pernas, às vezes penso em quebrá-las para ler Em
busca do tempo perdido ou Ulisses com a ajuda do Galindo, preciso ler o último
livro do Laub, e do Bernardo Carvalho também, quero acabar meus dias como Forrester,
alguém passando comida para mim por debaixo da porta, me deixem quieta com meus
livros, ah, e ela chegou nos pés, finalmente a massagem nos pés, é melhor que
sexo, é melhor que Lobo Antunes, A filha perdida da Elena Ferrante, As avós de
Lessing, não tenho essas coragens, eu seria capaz de viver só para a massagem nos pés, agora eu preciso
esvaziar a cabeça e pensar só nisso, só nas mãos dela nos meus pés, os
polegares dela saindo da ponta do meu calcanhar e subindo pela lateral externa
até chegar aos dedos. Uma vez, duas, três. Os polegares dela no centro da sola dos
meus pés. Nunca fui tão feliz. E ela avança para os dedos dos meus pés, um por
um, até eu dar um berro, um berro acompanhado de um pulo que fez voar o
travesseirinho com lavanda que cobria meus olhos. Sua cabeça está muito
cansada, ela diz, nunca vi alguém gritar assim. Não sou mais feliz. Ela busca o
travesseirinho que caiu no chão, longe da maca em que eu estava. Cobre meus
olhos de novo, tenta mais um pouco de novo, eu fecho os olhos e tento também,
de novo. A massagem vai sair cara, nunca me senti tão pobre, vivo para pagar
boletos, por isso o álcool é liberado para os adultos, teria gastado menos se
tivesse ido almoçar, aquele prato executivo no japonês acompanhado do livro que
está na minha bolsa, qual é mesmo?, preciso sair daqui e ir para um lugar que
não conheço.
Pronto! Deu para relaxar um pouco?
Sim. Obrigada!