Queimar minhas roupas, todas, uma por uma. Calças há vinte
anos no meu armário, uma menina boba as usava, não gosto mais dela, delas: da
menina e das calças. Blusas que não falam quem sou, só quem fui, sou essa
descabelada de moletom convicta de que só perco. Se há roupas para pessoas como
eu nesse mundo, ainda não as descobri. Nasci para o fundo do armário. Em que
momento alguém me puxou de lá? Queimar minhas calcinhas e meus sutiãs sem
esperança alguma. Minhas meias, finas ou grossas, longas ou curtas, eu com
tantas dores nos pés que não saem do lugar. Sinto dores de quem fica. Casacos
que não fecham. Sou capaz de odiar a magra que fui. Sou capaz de odiar quem se
apaixonou pela minha magreza. Queimar meus pijamas com marcas de leite
escorrido. Pijamas de fêmea, com abertura fácil para uma boca banguela e
faminta e egoísta. Queimar meus sapatos, minhas malas inúteis. E cintos!
Cintos! Bermudas, biquínis, saias, vestidos: queimá-los não me saciará.
Rasgá-los antes, talvez. Picotá-los. Tesoura. Faca. Nada cortaria mais do que
minhas mãos nesse momento. Queimá-las todas com sangue, unhas e cutículas. E
quem sabe, com tudo vazio, começar de novo.
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