sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Pedra de paciência

Os homens árabes são bonitos. A negritude dos cabelos, a pele curtida, o cheiro do deserto, o nariz concreto e metafórico, a profundidade dos olhos. Mas, talvez – veja bem, não tenho nenhum estudo no assunto –, os homens árabes sejam apenas isso: homens bonitos.

* * *

Almir era um desses árabes bonitos. Casou-se com mais de trinta anos com Iracema, que ainda não tinha completado dezessete. Moravam numa cidade pequena, dessas com apenas uma rua que vai e outra que volta. Iracema também era bonita, mas depois de onze filhos e um perder de contas das mulheres que Almir levou para a cama, definhou. Só voltou a sorrir quando Almir morreu sem aviso prévio: coração. No velório, muito rímel escorrido. Jamil, o filho mais velho, ofendeu-se pela mãe. Chegou em casa e tirou das gavetas do finado pai todas as lembranças das outras. Rasgou cartas, picotou fotografias, pisou em um frasco de perfume, rasgou um lenço preto com flores vermelhas bordadas, queimou um livro de poesias. Iracema deixou, o sorriso agora largado.

Jamil casou-se onze meses depois com Ana, que conheceu numa cidade vizinha. Mudaram-se para uma cidade um pouco maior, duas ruas que vão e duas que vêm. Jamil já não era desses árabes bonitos como o pai, mas acreditava que sim e isso bastava. Assim como não desistiu de Ana, a moça mais loira da cidade, não desistiu de nenhuma das mulheres que quis levar para a cama, uma conta que Ana também perdeu. Badi, o filho mais velho de Jamil e Ana, cansado do choro da mãe, um dia, não tão moleque e ainda não adulto, fez as malas para o pai: fora! Doeu, mas Ana gostou, ao menos alguém tinha aprendido alguma coisa. Jamil foi. Pelo que contam, não deve sentir a falta de Ana e dos filhos.


Dez anos depois, Badi, árabe tão bonito quanto o avô – para frustração do seu pai –, apaixonou-se por mim. E eu por ele, sempre calado a me sorrir. Casamos em menos de um ano de namoro, Ana me garantindo que Badi sim seria um marido fiel. E assim foi, até que deixou de ser. Também perdi as contas e o sono, como Ana e Iracema, e possivelmente como as outras que vieram antes de nós, sobre as quais nunca me contaram. Talvez seja assim mesmo e somos apenas mulheres bobas que não entendem da vida e da paixão. Um alívio, ao menos, ainda sinto: o de não ter gerado mais homens nessa família.

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