Quando eu tinha uns quatro anos, minha mãe anunciou: vamos
ver a Emília e o Zeca! Eu fui radiante no carro, mas quando cheguei à casa dos
meus tios-avós, abri um berreiro inconsolável: onde, afinal, estavam a Dona
Benta, a Tia Nastácia, a Narizinho e o Pedrinho?
* *
* * *
Quando eu tinha uns cinco anos, o vizinho trouxe um
videocassete dos Estados Unidos, aparelho raro de se ver nos lares brasileiros.
Agora podemos assistir a um filme sem ir ao cinema, meu pai me explicou. E
contou que naquela noite haveria uma sessão na casa do vizinho: veríamos Super
Homem. Fomos a pé para a sessão: minha mão esquerda na mão direita do meu pai e
minha mão direita na mão esquerda da minha mãe. Foi no caminho que meu pai revelou
o maior segredo de todos os tempos: a história que vamos ver é a minha...eu sou
o Super Homem!...mas você não pode contar para ninguém. Depois dessa noite eu
passei anos olhando para os meus avós paternos e pensando: que pena, queria
tanto que eles fossem mesmo meus avós verdadeiros.
* *
* * *
Quando eu tinha uns sete anos, a professora nos explicou que
os seres humanos estavam divididos em quatro raças: branca, negra, amarela e vermelha.
Eu olhei bem para a pele dos meus braços, bem mesmo, e confirmei: professora,
eu sou amarela.
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