E a última coisa
que te contei foi que eu tinha te traído. É estranha essa história de traição.
Como você era meu namorado, supostamente ninguém mais poderia me beijar.
Ninguém, além de você, poderia tocar meu corpo e saber de algum segredo meu.
Porque se eu gostava de você, e gostava mesmo (você era muito legal, uma das
pessoas mais legais que conheci), não devia sentir desejo por outra pessoa. Foi
assim que aprendemos e apreendemos, não? Mas você, naquele sábado, precisava
dormir cedo porque ia trabalhar no domingo, e me deixou em casa. E éramos
jovens. E era sábado e havia uma festa em algum lugar. E eu não precisava
trabalhar no domingo. E você me deixou em casa e eu fui para a festa. Porque
era sábado e eu era jovem e não trabalhava no dia seguinte. E na festa havia um
cara. Um menino. Um rapaz, sei lá, vinte e poucos ou vinte e muitos. Moreno
como gosto. Grande. E ele veio falar comigo e eu falei. E falamos. E ele quis
me beijar e eu beijei. Beijamos. E ele sentiu bem o meu corpo. Eu o dele. E
pronto, tchau. E no dia seguinte, que merda, você veio. E eu com aquela mentira
inchando dentro do meu estômago, feito bola de sabão que explodiu quando te
contei. Teus olhos tão escuros se quebrando em mim. Que merda eu fiz? E se
contei era porque gostava tanto de você, entende? E de mim, e de nós. E porque
não sei guardar mentiras. Que merda eu fiz, você indo embora sem nada dizer, ou
dizendo só “vou pensar e volto”. E voltou uma semana depois, a voz cortando a
garganta para explicar que me entendia, mas que me entender não bastava. Essa
história de xícaras quebradas que mesmo depois de coladas não voltam a ser as
mesmas. Eu tentando colher os cacos, quem sabe a nossa xícara ficasse mais
bonita com os pedaços colados, mas você foi antes que eu terminasse de
recolhê-los. E te vi de costas, eu ainda ajoelhada à procura de caquinhos. Você
se virou: somos muito jovens, vai ficar lindo o nosso mosaico ... já volto! E
quando voltou, azulado dentro de um caixão, eu estava com a xícara colada nas
mãos. Que merda eu fiz?
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