Ela cancelou o dia e foi pisar na areia. O dia que não existiria fora
dela. O dia em que ela sumiu. O dia em que acharam que ela enlouqueceu. Foi
para a praia, de tailleur, meia-calça, salto e com uma dor de cabeça causada
pelo coque tão bem amarrado.
Duas horas depois seus pés – livres da meia-calça e do salto – tocavam
uma areia dura, mas areia. Um dia que a maioria das pessoas chama de feio – não
ela, tão acostumada ao cinza. Procurou por ovelhas, cachorros, ursos e perfis
de cavalo nas nuvens, mas eles também cancelaram o dia e se fundiram numa
massa. Céu branco. Se chovesse ela entraria no mar, uma promessa.
Ninguém.
Tinha uma única lembrança do avô paterno, talvez só uma fantasia criada
pela necessidade de ter alguma história com algum avô, ela correndo em direção
a ele, os dois na beira do mar, o avô de braços abertos e joelhos flexionados à
espera da netinha dividida entre ele e a espuma. O avô não voltava mais,
aprendeu cedo – mais cedo do que deveria ser permitido (por quem? olhou para
cima, só a massa branca), não voltava nem mesmo agora, ela com a ponta dos pés
na espuma espalhada na areia, e o avô não voltava, sempre fica um resto de vida
para ser vivida, e caminhou um pouco mais, a água fria nos tornozelos, nos
joelhos, nas coxas, na cintura, a saia que começou a inflar, mas não havia ninguém, e ela continuou a caminhar.
Você nunca foi à praia com seu avô, seu pai uma vez lhe disse, mas ela não acreditou e continuou a caminhar. Vovô, faltou eu te contar uma coisa!, faltou você me contar tantas coisas!, ficou mais frio do que ela conseguia suportar.
Voltou para a areia, depois para o carro, depois para casa, depois para o trabalho, mas aquele dia, pelo menos aquele dia, foi cancelado.
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