A vida segue, é claro que a vida segue. Não, não é tão claro
assim. A vida às vezes para, cansa, entrega os pontos. É assim, mãe, um dia a
pessoa existe e no outro não existe mais?, ele me perguntou. É de um dia para o
outro? É, filho, de um dia para outro, não tive coragem de dizer que é de um
segundo para outro. É assim: em um segundo a pessoa existe e no outro, veja,
um, dois, três segundos, não existe mais. Um segundo basta para um coração
parar, uma veia estourar, um tumor se formar, se romper, uma bala atravessar um
peito, um carro se enfiar embaixo de um caminhão, uma dose mais forte fazer
efeito. Quem fica, fica com a vida que segue. Segue torta, segue manca, segue
rachada, segue embaralhada. Quebra-cabeça de vinte e cinco mil peças espalhadas
pelo chão da sala, talvez nunca vá ser montado. A vida segue, mas é estranho que siga,
que siga de um dia para o outro. Um time inteiro de futebol morre. Todas as
vidas param de uma só vez, mas no dia seguinte discute-se jogadores emprestados
e a tabela do campeonato, apesar de todas as homenagens, porque a vida segue. A
assinatura de um contrato adiada só um dia, talvez uma semana, porque a vida
segue. A vida segue com homenagens e aplausos póstumos. Segue porque segue.
Segue porque deve ser seguida. Segue porque não tem nada melhor para fazer.
Segue porque talvez não valha nada mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário