Não costuro a calça rasgada do meu filho durante a queimada
porque não sei costurar. Não tenho o que colocar na mesa para minha família e
meus amigos porque não sei cozinhar, nem mesmo sei dar ordens para que algum
alimento seja colocado à mesa. Não sei dar qualquer ordem. Tenho as roupas manchadas porque não sei
lavá-las. E uso roupas amarrotadas porque não sei passá-las. Não faço curativos
porque não sei a diferença entre fita crepe e esparadrapo. Não sei quem
inventou o aspirador, a história da Pérsia, como funciona o micro-ondas, o que são watts, calcular porcentagens,
desenhar, pintar, bordar, escolher abacaxi e papaia, a diferença entre salsinha
e coentro, cantar, dançar, desentupir pia, consertar prateleira, trocar lâmpadas,
escolher travesseiro, combinar o tapete com as almofadas, onde comprar carne
boa e mais barata. Na verdade não me interesso pela carne, pelas almofadas,
pelo tapete, pelo travesseiro, pelas lâmpadas, pela prateleira, pela pia, pelo
coentro, pela salsinha, pelo abacaxi e pela papaia. Mato as plantas de sede ou
afogadas, só identifico rosa e girassol. Não sei jogar tênis, nem buraco, nem
tranca, nem futebol, nem pôquer, nem basquete, nem vôlei, nem pebolim, nem ping
pong, esqueci como jogar queimada. Preciso olhar para o MASP para saber se
estou indo para o Paraíso ou para a Consolação, nunca chego à Paróquia São
José, não sei para onde vai a Carvalho Pinto nem de onde vem a Bandeirantes.
Preciso parar para pensar onde estão o leste e o oeste, noroeste não sei nem
parando para pensar. Quebro louça e dentes, enrosco a escova no cabelo, só sei
passar batom e um rímel que sempre borra, não sei aplicar dinheiro, não sei nem
mesmo ganhar dinheiro, não sei por onde passam os canos da minha casa, e qual
cano serve para quê, não acredito no avião, não entendo o que é o java, por
mais que me expliquem, não toco nenhum instrumento, nada, nem caixinha de
fósforo, e não identifico uma nota musical qualquer. Tive medo da matemática
desde que a conheci formalmente, passei mal na maioria das aulas de ciências,
sentia os sintomas da elefantíase e da esquistossomose, nunca acertei em que
ponto os carrinhos A e B se cruzariam na estrada X. Os números e as fórmulas à
minha frente e eu me perguntando o que eles farão quando se encontrarem. Vão se
notar? Os motoristas vão sair dos carros e tomar um café? Vão apenas passar um
pelo outro e perder uma chance? Porque é essa a minha condenação, só me
interessar pelo que não pode ser nomeado nem classificado nem mesmo tocado,
tudo aquilo que não serve para nada.
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