quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Inútil


Não costuro a calça rasgada do meu filho durante a queimada porque não sei costurar. Não tenho o que colocar na mesa para minha família e meus amigos porque não sei cozinhar, nem mesmo sei dar ordens para que algum alimento seja colocado à mesa. Não sei dar qualquer ordem. Tenho as roupas manchadas porque não sei lavá-las. E uso roupas amarrotadas porque não sei passá-las. Não faço curativos porque não sei a diferença entre fita crepe e esparadrapo. Não sei quem inventou o aspirador, a história da Pérsia, como funciona o micro-ondas,  o que são watts, calcular porcentagens, desenhar, pintar, bordar, escolher abacaxi e papaia, a diferença entre salsinha e coentro, cantar, dançar, desentupir pia, consertar prateleira, trocar lâmpadas, escolher travesseiro, combinar o tapete com as almofadas, onde comprar carne boa e mais barata. Na verdade não me interesso pela carne, pelas almofadas, pelo tapete, pelo travesseiro, pelas lâmpadas, pela prateleira, pela pia, pelo coentro, pela salsinha, pelo abacaxi e pela papaia. Mato as plantas de sede ou afogadas, só identifico rosa e girassol. Não sei jogar tênis, nem buraco, nem tranca, nem futebol, nem pôquer, nem basquete, nem vôlei, nem pebolim, nem ping pong, esqueci como jogar queimada. Preciso olhar para o MASP para saber se estou indo para o Paraíso ou para a Consolação, nunca chego à Paróquia São José, não sei para onde vai a Carvalho Pinto nem de onde vem a Bandeirantes. Preciso parar para pensar onde estão o leste e o oeste, noroeste não sei nem parando para pensar. Quebro louça e dentes, enrosco a escova no cabelo, só sei passar batom e um rímel que sempre borra, não sei aplicar dinheiro, não sei nem mesmo ganhar dinheiro, não sei por onde passam os canos da minha casa, e qual cano serve para quê, não acredito no avião, não entendo o que é o java, por mais que me expliquem, não toco nenhum instrumento, nada, nem caixinha de fósforo, e não identifico uma nota musical qualquer. Tive medo da matemática desde que a conheci formalmente, passei mal na maioria das aulas de ciências, sentia os sintomas da elefantíase e da esquistossomose, nunca acertei em que ponto os carrinhos A e B se cruzariam na estrada X. Os números e as fórmulas à minha frente e eu me perguntando o que eles farão quando se encontrarem. Vão se notar? Os motoristas vão sair dos carros e tomar um café? Vão apenas passar um pelo outro e perder uma chance? Porque é essa a minha condenação, só me interessar pelo que não pode ser nomeado nem classificado nem mesmo tocado, tudo aquilo que não serve para nada.



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