Vivo, em alguma memória, rindo em uma mesa de bar, rodeada de
amigos, com um cigarro entre as mãos, pouco me importando o câncer, a ressaca,
o despertador e o preço da cesta básica? Vivo, em alguma memória, estirada na
cama, sem roupa e sem vergonha do tamanho e do aspecto da minha bunda, sem me
preocupar com o que acontecerá com a minha barriga quando me virar para a
esquerda ou para a direita? Ainda danço descalça, em alguma memória? Alguém
ainda me tem em sua memória dançando e rindo com um vidro de lança-perfume nas
mãos? Eu canto, mesmo que desafinada, em algum canto de alguma memória? Aí, em alguma memória,
ainda sei rir de mim? Ainda sento em sarjetas no começo do dia, me contorcendo
de rir da madrugada? Na memória de alguém, ainda beijo demoradamente com a
língua? Preciso saber se ainda sei rir. Rir de chorar. Rir de me dobrar. Rir de
me exaurir. Se ainda sou desejada. Alguém que uma vez me disse que eu parecia
uma gata esparramada na poltrona, para esse alguém preciso perguntar: essa
imagem ainda existe em você? Ainda sou uma gata esparramada na poltrona? Assisto à morte da minha alegria, da minha beleza
e do meu sexo, e fecho os olhos para me socorrer na minha memória, mas esta é
um vazio cheio de buracos. Preciso me buscar nos outros. Se na memória do outro
eu ainda estiver lá, tomando um sorvete apenas, talvez já baste.
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