sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Água


Ele empacotava as verduras e os ovos sob o meu olhar atento. Um sorriso súplice tentava disfarçar as mãos levemente trêmulas e os cabelos grisalhos, destoantes das mãos firmes e ágeis dos colegas com cabelos escuros lambuzados de gel. A caixa me explicou que se tratava de um novo programa social da empresa. Eu apenas queria os ovos inteiros. Pedi que os produtos de limpeza ficassem por baixo do resto quando a chuva veio com a força das horas. A paisagem embranquecida molhou meus planos de chegar a tempo na manicure antes de buscar as crianças na escola. Ele largou os pés de alface, os tomates, os ovos e os iogurtes em cima da esteira e saiu para o meio da rua, rodopiando com os braços esticados e as palmas das mãos voltadas para o céu que me castigava:

Perdoa eu, moça. De onde eu vim não tinha água.

Um comentário:

  1. Chorei com esse texto Lu. Acho que derramei mais lagrimas do que as gotas da chuva.

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