segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Souzas

Ele parou de jogar água na calçada para eu passar. Sorri. O nome bordado no bolso da camisa do uniforme cáqui. Obrigada, Souza. Sorriu. Sorrimos. Ele: não sei. Eu: continuei no caminho seco dos dias. 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Saudade

Areia, cachoeira, mar, grama, bosta de vaca; se você viesse e me tirasse desse dia cinza e barulhento, receberia o meu sorriso mais triste, sentiria minhas mãos num fortíssimo, se afogaria nos meus olhos e saberia que eu te amo, mesmo que eu nada faça. E de que adianta, você me perguntaria, amar e nada fazer? E de que adianta, eu te perguntaria, amar e tanto fazer? Só sei amar na quietude, qualquer movimento me distrai, todo o barulho me dói. Olhe para as minhas mãos, olhe. Olhe! De que adianta amar e não olhar? Eu nada consigo, nada se liga a nada no meu corpo, meus fios de cabelo escorregam pelos meus dedos, meus joelhos amoleceram, minha pele me escapa. Sou toda fuga. Olhe para as minhas mãos, olhe. Olhe! De que adianta, se você não vem? 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Dia de


Era dia do seu
Mas não ganhou nenhum
Nem mesmo do
Que lhe havia prometido uma

Vestiu-se com o seu melhor
Passou um batom cor de
Ajeitou seus
E suas
E foi

Mesmo sem

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Migração


Para Francisco


Nunca vi um pato voando, ele me disse. Eu também não, filho. Preciso corrigir essa falha, antes que eu morra sem vermos um pato voando. Posso morrer sem juntar um milhão ou sem ver o Taj Mahal. Posso morrer sem perder dez quilos ou sem plantar uma árvore. Mas sem vermos um pato voando? Não. Vamos, filho, parece que podemos vê-los em Portugal rumo ao norte da África. E podemos aproveitar para comer doces feitos com ovos, gemas bem amarelas, da cor do meu coração diante de um sorriso teu. Podemos ver onde morou Pessoa, quem sabe esbarrar no braço de António. Podemos entender se os portugueses são poetas por causa da luz. Ou podemos não entender. Posso morrer sem entender tantas coisas (se a cada dia já entendo menos), mas sem vermos um pato voando, não. Isso não. 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Alta


Estão mortas todas as palavras. Acenderei uma vela em homenagem a cada uma, desde casa e boba até cometomancia e paracleteadura. Não conheci a maioria, tantas achei que me mostraram para o outro, tantas me deixaram num abismo sem fim. A partir de agora me calo num luto tão negro quanto o mar. Só me resta observar. Porque nunca foi possível dizer o nada: era só uma ilusão.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Taxímetro

Moço...moço...por favor, rode esses dinheiros que tenho na carteira, é tudo o que consegui juntar das gavetas, mais esse cartão com o qual ele me desejou um feliz aniversário sem declarar seu amor...é porque já tinha acabado e nem assim eu percebi, nunca fui esperta, minha mãe dizia para as paredes coitada dessa menina, vai ser enganada pelo mais estúpido dos mortais. Rode, moço, rode tudo o que tenho, além desse sabor amargo na garganta e um nó daqueles bem apertados na boca do estômago. Não sou esperta nem inteligente para construir uma frase sem clichê. Mas eu gosto das estrelas...rode, moço, rode tudo o que tenho para que eu possa ver as estrelas até adormecer. 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Reza de uma tarde de verão

Deus, Nhoque, Cegonha, o que for: teremos um dia um último capítulo de novela? Um homem caiu no concreto quente, caiu, babava, balbuciava, está muito quente, muito quente a ponto de derreter a esperança, não sentimos o vento e um homem caiu babando e balbuciando, e tantos esperamos um último capítulo de novela: o beijo que será dado porque uma vida não pode passar sem ele, o abraço que não pode faltar sob pena de uma vida inteira de mentira, uma dança em cima de uma mesa de reunião, uma risada saída de uma excelência que também derrete dentro do terno. Está muito quente, a ponto de derreter a justiça, falta-nos um último capítulo de novela, o homem caiu e o vento ainda falta.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Férias de verão

Estão suspensas: As horas. As decisões. As lombrigas. Estão suspensos: Os minutos. Os desejos. Os formigueiros. Preciso ir à caça das nuvens – estratos, nimbos – nomes não me interessam – só os desenhos. Um dinossauro enroscado no pescoço de uma girafa: é isso que me falta nesses dias de suspensão.