Acendeu
o abajur. Quatro e quinze. A madrugada barulhenta lá fora. Um carro arrancava
sob os protestos de uma mulher histérica. Acendeu a luz do abajur, deu três
passos até a janela, não sem antes pisar num taco solto e sujar a sola dos pés
com o pó que brotava dos vãos. Tossiu, afastou o tecido amarelo com flores
vermelhas que fazia a vez de cortina e abriu a janela. A mulher histérica devia
ter seguido seu rumo: é o que nos resta, não? Um homem saltou de um carro,
tropeçou e entrou no prédio. Pelo vulto, diria ser o vizinho do 42. Fechou a
janela, a noite estava fria e ninguém mais brigava lá embaixo. Sentou na cama e
ficou olhando para o teto. Branco. Quando criança sonhava em ter no quarto
aquelas estrelas fluorescentes coladas no teto. E se colasse algumas agora?
Tomou um gole de água, rolou por cima da cama e se olhou no espelho da
penteadeira. Precisava dormir, sumir com as olheiras, ter tempo para os sonhos.
Mexeu nos frascos de perfume, borrifou uma colônia no ar, abriu a revista com
fofocas dos famosos e olhou por vários minutos para a foto do Rodrigo Lombardi
na praia. Quem sabe a imagem grudaria na retina e sonharia com ele. Ela e ele
correndo na areia, lado a lado. Ou brincando de jogar água do mar que ela não
conhecia um no outro. Sorriu. Abriu o guarda-roupa, sua mais recente aquisição
em doze prestações. Uma das portas não abria inteira por conta do pé da cama. Logo conseguiria um quarto maior, um apartamento maior, uma vida maior. E uma
cortina para combinar com a colcha quadriculada de rosa e branco. Um sonho,
dizia sua mãe, a gente tece que nem crochê. Que roupa usaria se encontrasse o
Rodrigo Lombardi? Sem dúvida alguma o tubinho preto, presente da patroa.
Prenderia os cabelos, só para ele ter o prazer de soltá-los. E compraria um
sapato novo, de salto bem alto e fino. Um carro arrancou de novo na rua. Fechou
o armário e foi até a janela, mas desistiu de abri-la. Tinha mais uma hora para
dormir. Deitou na cama, puxou a colcha até o pescoço, pescou a imagem que
queria da memória e desligou o abajur.
Nenhum comentário:
Postar um comentário