Catima, mãe? Catima não existe!
Senti minhas
pernas amolecerem, como um desmaio que se anuncia, mas não chega. É sempre
assim quando o medo me toca. Eu não teria sobrevivido às feras nas cavernas:
minhas pernas me fariam cair em vez de correr. E agora me vejo sentada diante
da minha mãe, com o passatempo preferido dela entre a gente, e não sei se é por
culpa da medicação que ela, professora de língua portuguesa aposentada, escreve
no tabuleiro uma palavra que não existe.
O prognóstico do
médico, mais dois meses de vida, um pouco
mais, um pouco menos, é a fera que me acossa, não em uma caverna, mas nesse
apartamento onde eu e minhas irmãs nascemos e crescemos. E onde minha mãe
provavelmente irá morrer. Onde ela chega, depois das sessões de quimioterapia,
e nos convida a jogar palavras cruzadas. E agora essas seis letras me escancarando
seus dentes pretos e fétidos. Mas foi essa mulher quem me ensinou a olhar
debaixo da cama e puxar o rabo do monstro.
Então levanto os
olhos do tabuleiro e procuro os olhos azuis da minha mãe, que já estavam me
esperando. Abaixo deles, o mesmo sorriso que ela trazia para a sala, uma hora
antes do jantar, com uma caixa de bombons para dividir com as filhas ainda
crianças. Nunca uma palavra foi dita nesses momentos que ela escondia do meu
pai, enquanto ele morou conosco. Ou quando meu pai nos colocava de castigo por
uma hora no quarto fechado e dizia Helena,
nada de fazer companhia para as meninas, entendeu? Dez minutos depois ela
já estava no quarto, o mesmo sorriso, a nos colocar no colo durante cinquenta
minutos silenciosos. O sorriso com que ela nos chamava para ir até a praia à
noite, depois do banho tomado, Helena?,
e com que segurava nossas mãos já não tão medrosas. Será que não aprendi nada?
Olhei para as
minhas pedras: T – I – M – Ç – A – C – U
Olhei para minha
mãe: o sorriso.
Olho para as
minhas pedras novamente e aproveito o T de catima para escrever:
TUCAMI
O sorriso da
minha mãe se expande. Ela relaxa as costas no espaldar da poltrona, afasta a
manta dos joelhos, esfrega uma mão na outra e diz:
Agora é a minha vez, menina.
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