quinta-feira, 25 de abril de 2013

Bexigas


- Ai, que demora.

- É.

- E minha bexiga já está cheia. Não sei se vou aguentar até me chamarem.

- Eu tô enchendo a minha.

- Vai fazer ultrassom?

- Vou.

- E o transvaginal, também?

- Também.

- Ai, detesto.

- Eu também.

- Outro dia fiz um papanicolau que quase me rachou no meio. Perguntei se tinha lâmina no aparelho que eles usam. Que dor!

- Credo!

- Mulher sofre, né?

- Sofre. Mas antes sofrer por prevenção, né?

- É. Homem não aguentaria.

- Não.

- Pra você ver: uns anos atrás, uns doze anos, meu marido me deixou pra viver com a amante. Foi todo feliz, né, viver a paixão. Eu fiquei sozinha com meu filho e minha filha. E trabalhando pra ganhar meu dinheiro, porque amante não quer dividir nada com ex-mulher. Meu marido já era diabético. Aí seis anos atrás meu filho morreu...

- Meu Deus! Como?

- Acidente de moto.

- Sinto muito.

- Pois é, chegou sexta-feira da faculdade, deixou a mochila no quarto, pegou a moto e foi ver uma amiga. Tinha vinte e quatro anos. Um carro passou por cima dele. Até hoje a mochila dele está no mesmo lugar... os livros, os cadernos, os CDs, as roupas, a cama. Vai que ele volta, encontra tudo no lugar que deixou.

- Eu sinto muito.

- Acredita que até hoje eu saio no quintal e grito? É uma dor...uma dor assim...desesperadora...aí tenho que gritar.

- Posso imaginar... mas não quero. Desculpa.

- Tudo bem. Agora eu começo a acreditar que ele não volta mesmo, mas acho melhor as coisas ficarem lá, por via das dúvidas.

- Eu sinto muito.

- Mas então... aí meu filho morreu e meu marido, ex-marido, o pai dele, entendeu?, não aguentou. A diabete agravou e ele ficou mal, muito mal mesmo, quase morreu. Depois perdeu o emprego, não quis fazer mais nada. E a amante largou, né? Quem quer cuidar de velho doente? Aí, adivinha... voltou pra casa. Não como marido, entende?, mas como pai do meu filho. Eu já tinha perdido o filho mesmo, o que podia ser pior? Agora ele fica lá, mas não dorme comigo, não. Dorme no quarto do nosso filho. Todos os dias limpa, deixa arrumado. Mas você vê, não aguenta. Pelo menos agora a gente tem um netinho. Minha filha é solteira, engravidou e mora com a gente. O Pedro tá com oito meses. Meu marido, quer dizer, o avô do meu neto, entendeu?, pelo menos se ocupa com ele. Sai passear. Fica o dia inteiro, se deixar, com o bebê no colo.

- Que bom.

- Ah, pelo menos distrai, não fica só jogado pelos cantos. Eu sou filha única, perdi minha mãe faz dois meses, é tanta dor, nem sei mais qual é qual. E a casa, minha filha, meu neto, meu marido... quer dizer, ex-marido doente, o trabalho. Você vê: homem não aguenta...

- Sra. Bárbara...

- Ah, sou eu. Já não tava aguentando essa bexiga cheia.

- ... Até logo... Boa sorte.

- Pra você também. Foi um prazer, viu?

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