Como nos despedimos de alguém com quem
dividimos a cama e a solidão por vinte e sete anos e cinco meses?
A...ho...ra...é...a...go...ra.... A
frase já escorria pelo chão, ela com a mandíbula catártica olhando para a gosma
nojenta, o médico à espera de uma reação, aflito para tirar o celular do bolso
e checar as horas, ainda tinha visitas naquela noite. Que horas são, doutor? Ele respirou aliviado e puxou o telefone. Oito e quarenta. A novela está
começando, ela pensou, e fixou novamente o olhar no rosto do médico que não
babava mais. E na UTI não tem televisão. Por que não colocam um aparelho,
pequeno que seja, nesse lugar? Será possível que já passadas as bodas de prata
ele vai me deixar bem no penúltimo capítulo da novela? Porque, veja bem, o
penúltimo é mais importante do que o último. O penúltimo é decisivo. Nele as
possibilidades ainda existem. Dá tempo de não entrar na igreja, reconhecer um
filho, matar a mãe, conhecer um novo amor, ir atrás de um antigo amor, comprar
uma passagem só de ida, roubar um banco, se trancar num mosteiro. No último,
não. Para o último só sobra o desfecho do que se tornou inevitável.
O médico ainda à sua frente, agora já
respondendo mensagens e emails pelo celular, fez um gesto de quem pediria licença,
não sem antes alertá-la. A visita acaba
em vinte minutos.
Ela agradeceu. Muito obrigada, doutor...por tudo. E saiu, silenciosa, pelo
corredor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário