segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Carta para a mulher que estava na Paulista

Cara mulher que estava hoje em um ponto de ônibus da Avenida Paulista ameaçando jogar uma criança no meio da rua,

eu estava caminhando na avenida – tinha acabado de deixar meus filhos pequenos na escola e estava justamente pensando em como deixar as crianças na escola na segunda-feira é quase como atingir o nirvana, dado o silêncio que se instaura na nossa cabeça – quando vi uma menina obesa, em torno de uns seis anos, berrando.

Você estava enfiando uma chupeta goela abaixo dessa menina, que não sei se é tua filha, sobrinha, enteada, vizinha, sei lá. A menina não parava de chorar e jogou a chupeta longe. Você deu um tapa na perna dela. Ela tentou se aconchegar em uma senhora que estava ao lado dela, mas a senhora pediu para ela ficar quieta e só. Não sei se era a avó, a tia, a tia-avó, a vizinha, sei lá. Você olhava ansiosa para a avenida e para o relógio no seu pulso e a menina não parava de chorar. Você fechou a mão como quem vai dar um murro e chegou perto do rosto da menina. Desistiu da agressão física, mas disse: eu te jogo no meio da avenida! Pensa que não? Eu sou louca!

Então eu parei a caminhada e cheguei perto de você. Fiquei te olhando e você me olhou também. Eu queria te constranger, mas não para te deixar envergonhada. Eu queria te constranger para que, quem sabe assim, você se acalmasse. Eu estava de óculos escuros e você não me viu chorando.

Na verdade eu queria me aproximar, abraçar a menina até você se acalmar e te dizer que você não é louca. Você só deve estar cansada. Não sei quantos ônibus havia tomado com aquela senhora e aquela menina chorando. Não sei quantos ônibus ainda iria tomar. Provavelmente já estava atrasada e ainda tinha que aguentar o choro de uma criança, que penetra na nossa cabeça como faca afiada. Você deve estar preocupada com as contas para pagar, com o dinheiro que nunca chega ao final do mês, com os consertos pendentes da casa. É bem provável que você tenha um patrão ou uma patroa que não está nem aí para os seus problemas, que apenas te vê como um meio para obter mais lucros, sem que você tenha qualquer participação neles. É bem provável que você crie essa menina, se ela for mesmo tua filha, sozinha. Você deve dormir pouco, trabalhar muito e não ter tempo para diversão.

Eu chorava porque sei o que você passa. E olha que aparentemente eu tenho uma vida bem mais confortável que a tua. Mas, acredite em mim: eu e você não somos loucas. Apenas estamos sobrecarregadas. Apenas temos que lidar com nossos demônios, e não acredite em quem te diga que não os tem.

Mas não tive coragem de dizer o que eu pensava. E quando vi que você se aquietou, eu fui, agora sem a preocupação de segurar as lágrimas. Só que não te disse isso, tão importante: você não é louca! E você não sai da minha cabeça e passei o dia pensando em você, torcendo para a menina parar de chorar e te dar um pouco de silêncio.

E como não consigo ficar em paz por não ter te dito que você não é louca, resolvi te escrever esta carta que você não vai ler.


Ou seja, tudo o que fiz hoje para você foi em vão. 

Espero que esteja mais calma. E...você não é louca!

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