terça-feira, 10 de maio de 2016

Ela

Se ele tivesse olhado, ah, se ele tivesse olhado, ao acordar ou ao adormecer, ele teria sabido que aquelas pulseiras não lhe serviriam, veja meus pulsos, tão finos, que aqueles anéis não lhe caberiam, que aquela saia não era de seu agrado, ela não usa saias rodadas, nunca usou, alguma vez você me viu de saia rodada, com esse quadril?, mas ela não perguntou, só agradeceu, ela poderia trocar depois, repassar para uma amiga, fazer uma fogueira com todas as outras roupas que não lhe caem bem, deixaria de fora só os pijamas e os sapatos de salto, se ele tivesse olhado não teria comprado aquelas sapatilhas para ela, presente de quê, mesmo?, alguma vez você já me viu de sapatilhas?, mas ela não perguntou, só agradeceu e deixou-as escondidas no fundo do armário, onde ela gostaria de ficar por alguns meses, doze, talvez, até que tudo passasse, como se tudo um dia passasse, menina mimada, era o que ela ouvia nesses dias, falta de problema para resolver, falta de roupa suja para lavar, mesmo que ela nunca tivesse ficado, nem mesmo por uma hora, no fundo do armário com as sapatilhas, mesmo que ela levantasse todas as manhãs e se maquiasse como se tivesse esperança, se tivesse sido bailarina, se tivesse sido cantora, se tivesse sido uma executiva daquelas bem poderosas, se tivesse sido freira, se tivesse crescido a ponto de saber o que quer da vida, ou o que a vida quer dela, quem quer o quê de quem, afinal?, se ele tivesse olhado não teria ficado surpreso na manhã em que acordou e viu ao seu lado apenas um graveto, nu. 



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