segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Mais uma carta ridícula

Meus filhos,

não sei como escrever isso de uma forma simpática. O que eu quero dizer é: a vida adulta é chata.

Sim, a gente pode dirigir, ato com o qual toda criança sonha, mas junto com o dirigir vem o preço do carro, o preço da gasolina, o preço do imposto, o preço da manutenção, o preço do seguro, os problemas causados por tanta mercadoria fabricada para ser descartável, incluindo os automóveis. E enquanto dirigimos pensamos mais nesses problemas do que no prazer de poder ter um carro que nos leve de um lugar a outro, ainda mais se estivermos numa cidade grande, o que significa que levamos muito tempo para ir de carro de um lugar a outro, somado ao medo de que alguém aponte uma arma para vocês enquanto estamos parados no trânsito. Ou seja, o prazer mesmo é sonhar em estar na direção de um carro.

A gente também pode fazer algumas coisas sem ter que pedir dinheiro para os pais ou avós, mas às vezes, e cada vez mais, acabamos pedindo dinheiro não só para os nossos pais (os avós não porque na maioria das vezes já estão mortos), mas também para os tios, vizinhos, amigos e para o banco. E pagamos escola e convênio médico e aluguel e prestação da casa própria e energia e água e gás e internet e telefone e televisão a cabo e supermercado e farmácia e impostos e festinhas de aniversário e balé e judô e natação e inglês e chinês e terapia e dentista e médico e precisa de roupa e de sapato e de um cineminha e aí não sobra para um mês de descanso numa praia qualquer. E passamos os dias recebendo boletos e pensando em como pagá-los.

A gente também pode trepar sem se preocupar em ser pego pelo pai ou pela mãe, mas o fato é que os preços e as contas e o correr atrás de tantas necessidades e vontades nos deixa cansados demais para isso. No fim do dia, tudo o que queremos é dormir. Mas também não conseguimos porque adulto tem insônia.

E sempre tem alguém doente, sempre tem alguém precisando de mais ajuda do que nós, sempre tem um chefe gritando na nossa orelha, sempre tem um cliente nos pedindo mais do que podemos dar, sempre tem uma meta, sempre tem alguém esperando algo de nós, sempre tem tempo faltando, sempre tem uma dor em algum lugar do corpo, sempre tem uma frustração e uma traição e quando chegamos em casa, à noite, mais tarde do que desejamos, queremos esticar o corpo e ficar no silêncio. Uma música num volume baixo, no máximo. E vocês não entendem isso, é claro que não. Passaram o dia nos esperando para poder pular em cima de nós, seja no sofá, na cama ou no vaso sanitário. Passaram o dia nos esperando para poder contar as histórias dos krakens, dos unicórnios, dos vampiros, do Naruto, do Harry Potter, do Luke Skywalker, e a gente está tão ligado na não-ficção...e a gente não desliga. E sobra para vocês o nosso cansaço, a nossa falta de paciência, o nosso entendimento tão estranho da vida, o nosso medo de dizer chega e tentar, ao menos, ter um controle maior sobre a nossa vida.

E toda segunda prometo que será diferente (desisti do regime). E todo domingo acabo chorando. E toda segunda prometo. E todo domingo choro.


Hoje é segunda. Vamos tentar mais uma vez.

Mamãe

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