terça-feira, 9 de outubro de 2012

Os dinamarqueses


Na cidade em que cresci, a capital do estado, a menos de cem quilômetros, era o que conhecíamos de maior e mais distante. Até que um dia recebemos no colégio a garota mais loira e mais branca que já havíamos visto, com dois imensos olhos azuis. Vinha da Dinamarca. Nossas mentes não localizaram o país no mapa mundi. Estados Unidos era o que havia de mais alto. Para lá do Atlântico, Portugal e Espanha. França e Inglaterra talvez. Seu dedo cor do frio localizou um pontinho no mapa. Existe país desse tamanho? E dinamarquês é uma língua? E o que vocês fazem lá?

 Era uma família loira. Mais: branca gelada. Uma cor que não conhecíamos. Na Dinamarca quase todos são assim, ela explicou. O país se tornou o sonho de consumo de todos os garotos da escola. Além de loiras com olhos claros, pareciam peitudas. Aquela, pelo menos, era. As meninas, pela primeira vez, sentiram vontade de pintar o cabelo e colocar lentes de contato. E a estrangeira se apaixonou pelo garoto mais moreno da escola, com olhos verdes amarelados, com quem eu queria casar. Eu e mais uma dúzia de meninas. E ele não resistiu a tanta brancura. A existência da Dinamarca era ultrajante.

 Os dinamarqueses eram esquisitos. No recreio, ela e o irmão tomavam suco e comiam cenouras e pepinos crus e ovos cozidos. Levavam sal embrulhado num pedaço de papel alumínio. Nada de salgadinhos fritos em óleo de caminhão. Nem refrigerante. Fincavam a bandeira da Dinamarca na porta de casa. Colocavam uma bandeirinha do país sobre o bolo nas festas de aniversário. Liam muito e jogavam golfe. Mesmo com carro na garagem, sentiam falta de transporte coletivo eficiente.

 Quis o destino que a dinamarquesa e eu nos tornássemos grandes amigas. Com o passar dos anos a entrar na adolescência, ela queria se depilar como as garotas brasileiras, fazer as unhas, pintar os cabelos (!), comprar roupas caras. A mãe e o pai dinamarqueses tentavam explicar para a filha, em português por estarem na minha frente, que alguns valores não deviam ser cultivados. Eram mesmo esquisitos esses dinamarqueses.

 Assim como chegou, depois de uns três ou quatro anos, foi embora com a família loira para Portugal. Trocávamos cartas toda semana. Chorávamos pelo vazio deixado. Minha amiga dinamarquesa. Minha amiga brasileira. As cartas rarearam. Eu não a encontro nas redes sociais. Eu não disse que eram esquisitos esses dinamarqueses?

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