Na cidade em que cresci, a
capital do estado, a menos de cem quilômetros, era o que conhecíamos de maior e mais distante. Até que um dia recebemos no colégio
a garota mais loira e mais branca que já havíamos visto, com dois imensos olhos azuis. Vinha da Dinamarca.
Nossas mentes não localizaram o país no mapa mundi.
Estados Unidos era o que havia de mais alto. Para lá do Atlântico, Portugal e Espanha.
França e Inglaterra talvez. Seu
dedo cor do frio localizou um pontinho no mapa. Existe país desse tamanho? E dinamarquês
é uma língua? E o que vocês fazem lá?
Era uma família loira. Mais: branca gelada. Uma cor que não conhecíamos. Na Dinamarca quase todos
são assim, ela explicou. O país se tornou o sonho de consumo de todos os garotos da
escola. Além de loiras com olhos claros,
pareciam peitudas. Aquela, pelo menos, era. As meninas, pela primeira vez,
sentiram vontade de pintar o cabelo e colocar lentes de contato. E a
estrangeira se apaixonou pelo garoto mais moreno da escola, com olhos verdes
amarelados, com quem eu queria casar. Eu e mais uma dúzia de meninas. E ele não
resistiu a tanta brancura. A existência da Dinamarca era
ultrajante.
Os dinamarqueses eram
esquisitos. No recreio, ela e o irmão tomavam suco e comiam
cenouras e pepinos crus e ovos cozidos. Levavam sal embrulhado num pedaço de papel alumínio. Nada de salgadinhos
fritos em óleo de caminhão. Nem refrigerante. Fincavam a bandeira da Dinamarca na
porta de casa. Colocavam uma bandeirinha do país
sobre o bolo nas festas de aniversário. Liam muito e jogavam
golfe. Mesmo com carro na garagem, sentiam falta de transporte coletivo
eficiente.
Quis o destino que a
dinamarquesa e eu nos tornássemos grandes amigas. Com o
passar dos anos a entrar na adolescência, ela queria se depilar
como as garotas brasileiras, fazer as unhas, pintar os cabelos (!), comprar
roupas caras. A mãe e o pai dinamarqueses
tentavam explicar para a filha, em português por estarem na minha frente,
que alguns valores não deviam ser cultivados. Eram
mesmo esquisitos esses dinamarqueses.
Assim como chegou, depois de
uns três ou quatro anos, foi embora
com a família loira para Portugal. Trocávamos cartas toda semana. Chorávamos pelo vazio deixado. Minha amiga dinamarquesa. Minha
amiga brasileira. As cartas rarearam. Eu não a encontro nas redes sociais.
Eu não disse que eram esquisitos
esses dinamarqueses?
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