segunda-feira, 11 de maio de 2015

A merda

E a última coisa que te contei foi que eu tinha te traído. É estranha essa história de traição. Como você era meu namorado, supostamente ninguém mais poderia me beijar. Ninguém, além de você, poderia tocar meu corpo e saber de algum segredo meu. Porque se eu gostava de você, e gostava mesmo (você era muito legal, uma das pessoas mais legais que conheci), não devia sentir desejo por outra pessoa. Foi assim que aprendemos e apreendemos, não? Mas você, naquele sábado, precisava dormir cedo porque ia trabalhar no domingo, e me deixou em casa. E éramos jovens. E era sábado e havia uma festa em algum lugar. E eu não precisava trabalhar no domingo. E você me deixou em casa e eu fui para a festa. Porque era sábado e eu era jovem e não trabalhava no dia seguinte. E na festa havia um cara. Um menino. Um rapaz, sei lá, vinte e poucos ou vinte e muitos. Moreno como gosto. Grande. E ele veio falar comigo e eu falei. E falamos. E ele quis me beijar e eu beijei. Beijamos. E ele sentiu bem o meu corpo. Eu o dele. E pronto, tchau. E no dia seguinte, que merda, você veio. E eu com aquela mentira inchando dentro do meu estômago, feito bola de sabão que explodiu quando te contei. Teus olhos tão escuros se quebrando em mim. Que merda eu fiz? E se contei era porque gostava tanto de você, entende? E de mim, e de nós. E porque não sei guardar mentiras. Que merda eu fiz, você indo embora sem nada dizer, ou dizendo só “vou pensar e volto”. E voltou uma semana depois, a voz cortando a garganta para explicar que me entendia, mas que me entender não bastava. Essa história de xícaras quebradas que mesmo depois de coladas não voltam a ser as mesmas. Eu tentando colher os cacos, quem sabe a nossa xícara ficasse mais bonita com os pedaços colados, mas você foi antes que eu terminasse de recolhê-los. E te vi de costas, eu ainda ajoelhada à procura de caquinhos. Você se virou: somos muito jovens, vai ficar lindo o nosso mosaico ... já volto! E quando voltou, azulado dentro de um caixão, eu estava com a xícara colada nas mãos. Que merda eu fiz? 

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