terça-feira, 12 de maio de 2015

Mr. H.

A quentura do salão no fim do dia, quando eu chegava e ele já estava lá: um livro aberto sobre o colo, o cachimbo em uma das mãos, os óculos escorregando pelo nariz, as pernas cobertas por uma manta de lã xadrez bege e marrom. Queria entrar feito pluma trazida pelo vento para que ele não me percebesse e eu pudesse admirá-lo naquela posição por, não sei, mais tempo, tempo que nunca seria suficiente. Mas nunca consegui entrar feito pluma onde quer que fosse e ele então tirava os olhos do livro, ajeitava os óculos e levantava a cabeça para me ver. Sorria. Um sorriso discreto, mas tão aconchegante quanto a cena à minha frente. Eu sorria de volta um pedido de desculpas, sem nada falar, só um aceno com a mão que ele retribuía com uma quase imperceptível reverência. E tantas vezes meus pés quiseram correr em sua direção, meus braços desejaram enlaçar seu pescoço, meus olhos procuraram o título do livro em seu colo e minha boca ansiou por dizer alguma palavra, uma que fosse, “oi”, por exemplo, ou “obrigada” – um agradecimento seria mais verdadeiro; mas não. Continuei entrando com meu silencioso pedido de desculpas, até sobrarem apenas o cachimbo e um livro fechado sobre a poltrona. 

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