terça-feira, 14 de abril de 2015

Carta ao mar

Uma tentativa:


de não odiar meus pais. de amar meus pais depois de ter me tornado mãe. maternidade: um soco na cara, um pontapé no estômago: uma tentativa de conviver com a falta de controle, uma tentativa de conviver com o medo: da morte dos meus filhos; das baratas, dos vírus e das bactérias; da matemática, de tudo o que é exato, planejado, formulado, enquadrado; de que vai chover em dia de festa; de que não vai dar tempo; de ficar sem dinheiro para o médico e férias no fim do ano; de precisar dos médicos; de viajar sempre no final do ano; de ter hábitos; de morrer sem saber se alguém me amou e não me contou. uma tentativa de acordar no dia seguinte, de dormir sem remédios, de não queimar um bolo, de não culpar meu marido, de não castigar meus filhos, de fazer alguma diferença como no dia em que me apresentei voluntariamente como testemunha de um acidente de trânsito porque vi que a motorista do carro estava certa e o motoqueiro estava errado, e podia ter sido o contrário, o motoqueiro certo e a motorista errada, porque também sou uma tentativa de enxergar tudo como novo e como possível. uma tentativa de ver hipopótamos voando. uma tentativa de entender seja lá o que for, por mais estranho e inaceitável que pareça, mesmo sem aceitar, talvez o maior dos meus fracassos. uma tentativa de manter minhas agendas organizadas. uma tentativa de espalhar textos por aí. uma tentativa de não sair maltrapilha pela rua. uma tentativa de não deixar minhas entranhas expostas na praça. uma tentativa de me encaixar onde gosto e onde não gosto, onde quero e onde preciso, até onde odeio. raiva e ódio têm em mim a mesma proporção do amor e da ternura: uma tentativa de colocar a raiva, o ódio, o amor e a ternura nos seus lugares. Até hoje, só um arrependimento: eu deveria ter trepado mais. Muito mais.  

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