Uma tentativa:
de não odiar meus pais. de amar meus pais depois de ter me
tornado mãe. maternidade: um soco na cara, um pontapé no estômago: uma
tentativa de conviver com a falta de controle, uma tentativa de conviver com o
medo: da morte dos meus filhos; das baratas, dos vírus e das bactérias; da
matemática, de tudo o que é exato, planejado, formulado, enquadrado; de que vai
chover em dia de festa; de que não vai dar tempo; de ficar sem dinheiro para o
médico e férias no fim do ano; de precisar dos médicos; de viajar sempre no
final do ano; de ter hábitos; de morrer sem saber se alguém me amou e não me
contou. uma tentativa de acordar no dia seguinte, de dormir sem remédios, de
não queimar um bolo, de não culpar meu marido, de não castigar meus filhos, de
fazer alguma diferença como no dia em que me apresentei voluntariamente como
testemunha de um acidente de trânsito porque vi que a motorista do carro estava
certa e o motoqueiro estava errado, e podia ter sido o contrário, o motoqueiro
certo e a motorista errada, porque também sou uma tentativa de enxergar tudo
como novo e como possível. uma tentativa de ver hipopótamos voando. uma
tentativa de entender seja lá o que for, por mais estranho e inaceitável que
pareça, mesmo sem aceitar, talvez o maior dos meus fracassos. uma tentativa de
manter minhas agendas organizadas. uma tentativa de espalhar textos por aí. uma
tentativa de não sair maltrapilha pela rua. uma tentativa de não deixar minhas
entranhas expostas na praça. uma tentativa de me encaixar onde gosto e onde não
gosto, onde quero e onde preciso, até onde odeio. raiva e ódio têm em mim a
mesma proporção do amor e da ternura: uma tentativa de colocar a raiva, o ódio,
o amor e a ternura nos seus lugares. Até hoje, só um arrependimento: eu deveria
ter trepado mais. Muito mais.
Ainda está em tempo Lu
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