Resolveu contar carneirinhos
depois de três horas deitada na cama fingindo que dormia. Os primeiros eram
brancos e felpados e ela teve a impressão que sorriam, até que o trigésimo sexto
chegou com pelos sujos e falhados, sem força para saltar o obstáculo que sua mente
havia criado. Outros como este surgiram e se juntaram para acossá-la com raiva
e sangue nos olhos. Ela agarrou o celular que dormia ao seu lado e foi para o
banheiro fazer xixi.
Com frio nas pernas pensou em
acessar o Facebook, mas pressentiu que ver tanta gente feliz às duas da manhã não
lhe faria bem. Resolveu brincar de estourar balões, subiu a calça do pijama e
jogou três partidas, até achar que a garganta estava seca. Foi para a cozinha
beber um pouco de água – o suficiente para não ter que fazer xixi novamente nas
próximas cinco horas.
A geladeira com alguns potes de
iogurte e caixas de sucos sem conservantes que duram seis meses. O fogão quase
nunca usado, apesar dos protestos do marido. Sobre a mesa onde fazem refeições
silenciosas, o resto da pizza pedida para o jantar e um pacote de pão de forma
vencido. Deixou um pedaço de chocolate derreter na boca e mastigou um pedaço de
pão que ainda não estava verde. Pensou em fazer um chá, apesar de achar que
seria mais teatral tomar um vinho. Foi procurar uma garrafa.
Na sala, olhou para uma pilha de
revistas de decoração que não a inspiravam. Os sofás doados pela sogra não
combinavam com o tapete que comprou sozinha durante a liquidação de uma loja
chique. Pensou em jogar as almofadas pela janela, mas deixou-as onde estavam -
entrançadas com um cobertor sobre o sofá. Na parede, um quadro pintado pelo
tio-avô do seu marido que nada dizia a ela, a não ser “sou um quadro pintado
pelo tio-avô do seu marido”. Ligou a TV e em dez segundos viu o que passava em
mais de cem canais. Nenhuma comédia romântica que a fizesse ter vontade de se
apaixonar novamente. Parou num programa que vendia joias e viu as contas para
pagar – vincendas e vencidas, sobre a pequena mesa colocada sem pretensão no
hall. Pensou em arrumar uma mala e fugir
para Roraima. Lembrou do primeiro namorado que estranhamente não está no
Facebook. Desligou a TV, folheou uma revista de decoração de casas de praia,
que nunca teve, e decidiu voltar para o quarto.
No corredor, o quarto dos filhos
que não nasceram transformado num escritório com outra TV e um sofá-cama para a
sogra. Sentiu um aperto de saudades da irmã, com quem não fala há quase três
anos. Achou que seria só por uma semana. Num porta-retrato, a fotografia da mãe
antes da doença que a deixou órfã. Sentiu vontade de comer brigadeiro na
colher, sentou no sofá-cama e rezou o Pai Nosso até adormecer.
Às seis da manhã, no quarto
transformado em escritório sem cortinas, despertou. Tomou um banho completo,
que inclui cabelos lavados, vestiu uma roupa escolhida casualmente, pensou mais
na hora de colocar os sapatos, bebeu uma xícara do café que ela mesma fez, deu
um beijo no marido que acordava e foi fazer o que tinha que fazer.
Amei Lu! Parabéns! Já seguindo... =)
ResponderExcluirObrigada, Inajá! um beijo. Lu
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