Abriu a porta do armário. Vestidos, saias, calças, blusas, cintos,
lenços e sapatos para vestir o quê? A tela do celular acendeu no criado-mudo. Quem
definiu, afinal, o bom tamanho de um pênis? E o peso e a medida das mulheres? Uns
alargam outras encolhem e o celular também mostra um relógio inventado para
marcar um tempo que não é o dela. Quantos segundos para um cabelo embranquecer,
uma ruga crescer e um coração se recuperar? Todos os dias na mesma hora no mesmo
lugar em troca de um salário inventado por um sistema criado para custear
invenções de necessidades que não são (são? não são? são? não são?) suas. Qual
o preço da sua unidade? Os sapatos apertam os seus pés. Quem definiu o valor do
ouro, da prata e do bronze? Secador para os cabelos, cores para lábios, olhos e
unhas, a televisão ligada em mais de cem canais, cremes para evitar o
inevitável. Receitas de psiquiatras para a felicidade. Sorria, você está sendo
filmado. Rodou o quarto à procura do não inventado. Ergueu os olhos para
a invenção máxima já incapaz de confortá-la. Onde estavam suas apólices? Queria
a nudez do mundo. Arrancou o roupão e olhou-se toda no espelho. Só sua pele se
descolando dos músculos era genuinamente verdadeira. Mentirosos! MENTIROSOS! O cachorro acordou com o grito e sem
desviar o olhar das lágrimas tão conhecidas, mudou de posição para voltar a
dormir.
* imagem do filme Melancholia, de Lars von Trier.
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