Há uns 32 anos
uma menina mestiça de carinha redonda entrou na sala de aula, vinda da capital
para o interior do estado. Na hora do lanche, a professora me chamou: Luciana, pode
fazer companhia pra ela? Ah, que saco, pensei, mas fiz. Descobri que na capital
ela morava no mesmo bairro em que minha mãe cresceu. E na hora da saída,
descobrimos que nossas mães foram amigas na juventude. Eu e essa menina nos
encontramos na emoção de um reencontro.
Tive uma escova
de dentes durante anos na casa dela, a casa onde a gente não tinha hora pra
dormir e ouvia um violão sendo tocado todas as noites. Devo ter acordado mais
na casa dela do que na minha durante a infância e a adolescência. Ela não aguentava
me ouvir todas as manhãs: adivinha o que eu sonhei? (e, sim, querida, essa
ainda é a minha primeira frase ao acordar)
Uma vez ela me
deixou pra fora de casa porque eu não segurei direito a corda no cabo de guerra
e ela rolou ladeira (ladeirão pra uma criança) abaixo. Soltou a tampa de um
freezer na minha mão. Não tinha paciência pra me ensinar matemática: como você
não entende ISSO? Um dia me apaixonei pelo ex-namorado dela. A gente não olhava
mais direito uma pra outra, mas não perdia a oportunidade de se abraçar e
dizer: tô com raiva, mas te amo. E seguia cada uma pro seu lado.
Ladeira,
freezer, matemática, namorados, distância, seja o que for, não houve jeito
desse amor diminuir. Minha amiga de carinha redonda e canelas finas cobertas
por meias coloridas. Se há um autor da nossa história, penso que no dia em que
a professora me pediu aquela gentileza ele pensou assim: hoje a Luciana ganhará
um presente pra toda a vida.
Coragem é a
atitude humana que eu mais admiro. Coragem de viver de acordo com quem se é,
então...minha amiga tem essa coragem, nem deve saber o quanto me ensina, o
quanto me inspira. Se você soubesse, minha amiga, como é grande, genuíno e
puro o que eu sinto por você...dizem que é amor. Pode ser. Mas eu ainda acho
que vai um pouco além.
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