Eu me apaixonei por você,
desculpe-me. Desculpe-me? Não! Sou eu quem devo te perdoar. Eu não estava
disposta, nem mesmo me lembrava que paixão é vírus (justo eu, que lavo as mãos
incontáveis vezes ao dia e carrego na bolsa pelo menos dois frasquinhos de um
gel capaz de matar 99% dos germes). É você quem me deve desculpas por ter
esburacado as minhas madrugadas. Por ter colocado tantos chios na minha corrente sanguínea.
Pelo formigamento na sola dos meus pés e na palma das minhas mãos. Pela gota de
suor que desce pelas minhas costas em dias invernais. Se eu conseguisse voltar
no momento exato da paixão, mas é difuso...não sei se foi a prata escura do
anel no teu dedão da mão esquerda, teus olhos vermelhos antes de espirrar, o
molho que você tirou do canto da boca com a língua, tua leitura lenta, tua
letra apressada, o samba que você batucou desafinado no joelho direito. Mas eu não
acredito no perdão, nem em Deus, nem em reza. No esquecimento, talvez, eu
acredite. E nas cartas ridículas, sim, nas cartas ridículas eu acredito.
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