domingo, 6 de março de 2016

A tola que se encantou por Herberto Helder


Queria guardar dinheiro para fazer uma lipo na barriga – ficar com cintura de vespa – e nos culotes. Queria guardar dinheiro para colocar silicone nos peitos, deixá-los fartos, duros e sempre em frente. Queria fazer um plano megamasterplustopdasgostosas na academia e lá ficar, não sei, oito horas por dia, fazer disso minha profissão de fé, minha única meta na vida, não envelhecer e manter-me gostosa enquanto não envelheço. Quer saber? Queria ser mais. Queria ser uma vagabunda mesmo, daquelas que têm uma bolsa Prada no lugar do coração, Clive Christian correndo nas veias; levar os homens para a cama (ou banheiro de um restaurante bem caro) como se fossem bichinhos de pelúcia dos quais eu enjoaria em uma ou duas vezes. Levar para a cama quem eu tivesse vontade, sem me preocupar se o idiota ali com cara de autosatisfação é casado ou não, sem tem filho ou não, se chegarei a destruir alguma família ou não, porque eu queria mesmo era ser uma vagabunda bem gostosa com ódio de qualquer família. Queria rir na cara das famílias. Família só serve para ficar em porta-retratos, e hoje eles nem existem mais. Estão todas escondidas em telas de celulares que a gente pode desligar a qualquer momento. E eu dormiria rindo todas as noites, e se não conseguisse dormir me entupiria de rivotril e frontal e stilnox e lexapro, mas, espera: isso eu já faço. Mas por outros motivos.




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