quarta-feira, 23 de março de 2016

Aprendizado


Eu tinha entre quinze e dezessete anos. A aula era de língua portuguesa, das poucas que me atraíam. A menina sentada numa das primeiras carteiras estava quieta, olhando para a apostila certa aberta na página certa, tudo conforme o professor havia pedido. Tudo perfeito, não fossem os olhos dela perdidos em algum lugar da sua mente. O professor interrompeu a aula para exigir dela a atenção devida. Mas eu estou prestando atenção, ela respondeu. Não está, o professor insistiu. Olha aqui, ela continuou, a apostila aberta na página certa, e não estou falando com ninguém, estou quieta olhando para a página. Mas não está atenta, o professor encerrou a discussão e continuou a aula. Por pouco tempo, já que os olhos da menina continuavam em algum lugar fora não daquela apostila, mas daquela sala de aula. E ela explicou mais uma vez que estava quieta, que estava com a apostila aberta na página certa, mas para ele não era suficiente: você precisa prestar atenção. E voltou à aula, de novo por pouco tempo. E de novo a mesma discussão: quieta, apostila, página, atenção. Eu era ela nas aulas de exatas. Ela era eu nas aulas de biológicas. Foi então que falei, sem nem mesmo levantar a mão: mas, então, professor, como o senhor acha que vai obrigá-la a prestar atenção? E, claro, tomei um esfrega por abrir a boca sem que a palavra me fosse dada. E hoje, enquanto estava parada num trânsito de causar pânico em qualquer lama, perdida nos caminhos que a mente traça em momentos  como esse (ou em qualquer outro momento), me lembrei dessa discussão entre o professor de língua portuguesa e a menina da primeira fila, na qual me meti sem ser chamada. E então me assustei com a quantidade de anos em que acredito que ninguém consegue obrigar alguém a aprender.

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