Não tem nem onde cair morto. E daí se um corpo morto não tem
onde cair? Pobreza mesmo, miséria, desespero, é não ter onde cagar em vida.
Como a mulher no outro lado da rua, costas na parede de um prédio no centro da
cidade, pés descalços, pernas esticadas e abertas, calça arriada até os joelhos
e a merda escorrendo líquida e marrom-amarelada pela parede até o chão, onde um
cachorro a espera. Enquanto caga, ri com olhos desgovernados. E eu aqui,
esperando o sinal verde para atravessar a rua, pensando se alongo meu caminho
para o trabalho e desvio da mulher. O sinal ainda vermelho para mim, suspiro
sem tirar os olhos dela, mas a luz
amarela indica que meu tempo se esgota, o semáforo me ignora, para os carros e
o sinal verde - um homenzinho com o corpo inclinado para a frente me dizendo vá
- acende para mim. Decido não ir, esperar que ela desapareça para que eu possa
passar, mas o homenzinho começa a piscar: corra. Não vou, homenzinho verde,
olha a mulher ainda ali; não vou, homenzinho verde, a mulher caga na rua. Fixo
meus olhos nela e feito um urubu faminto atravesso a rua e tomo o caminho mais
curto.
Agora na mesma calçada. Diminuo a velocidade e viro o rosto
para ela. Só eu. Os transeuntes que desviavam dela agora desviam também de mim.
Ela não me vê, não vê ninguém; eu a vejo, vejo a merda doente. É uma cidade de
pessoas transparentes e prédios espelhados. O cachorro embaixo, enrolado a seus
pés, os olhos levantados. A merda num jato – o último –, ela ri aliviada. Prendo
a respiração, mas é tarde. Expiro o ar, tento tirar tudo o que há dessa merda
de dentro de mim, mas virou pedra e não sai fácil. Balanço as mãos,
enrosco os dedos uns nos outros, dou batidinhas com os pés na calçada, esfrego
o nariz, procuro o cheiro do creme de amêndoas nas minhas mãos – perdeu-se. O
que entrou pelas minhas narinas derrete meus esfíncteres. A mulher não caga
mais, mas continua encostada na parede, não consegue
levantar a calça, o cachorro se levanta, olha para chamá-la, a mulher não vê o
cachorro, não sabe onde está e que cagou e que cagou doente na rua e que
precisa levantar a calça e essa merda entupiu o meu útero. Nunca mais piso
nessa calçada. Nunca mais me preocupo com onde cairei morta. Só preciso de um
banheiro. A mulher consegue levantar a calça, não completamente, mas o
suficiente para esconder a calcinha – por que uma pessoa que não tem onde cagar
em vida usa calcinha? –, dá uns passos com o corpo ainda escorado na parede,
quatro ou cinco, em seguida desencosta, cambaleia, mas logo ganha segurança e
sai pela rua, o cachorro atrás, a merda na calçada. Uma pomba roliça se
aproxima e bate as asas em desespero.
E eu, ainda, aqui.
Ui...texto pesado hein?! É verídico ou inspirado em alguma coisa para fazer uma comparação com as mazelas que encontramos por aí?
ResponderExcluirBj e fk c Deus.
Nana
http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com.br/
Oi Nana, é um pouco das duas coisas. Beijo, Lu
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