segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Bestas

O sol do meio de um dia de verão. Eu sozinha no único carro que passava nas ruas daquele bairro desconhecido para mim. Ninguém nas calçadas e eu desconfortável na solidão. Devia estar pensando nisso quando vi uma coisa – parecida com um saco, um trapo, um...uma coisa – que se mexia no meio-fio. Desacelerei até parar: um gato. Meio gato: as patas traseiras e metade do corpo – se fosse falar de uma pessoa diria que da cintura para baixo – esmagadas. Saí do carro. Aquele sol que não nos permite abrir os olhos livremente. O bicho arfava. Os globos oculares se prendiam à cavidade por apenas um fio – o nervo óptico? – mas ele conseguia me olhar. Pelo ânus - ou pelo quê um dia foi um ânus – escapavam as vísceras acinzentadas como os pelos. E o bicho arfava. Se eu carregasse uma arma, teria coragem? Procurei por uma pedra capaz de acabar com aquela vida num pá, mas e se eu não a jogasse com força suficiente? E se a jogasse? E se eu voltasse para o carro e acelerasse para frente e para trás, para a frente e para trás, por cima dele?

E se...?

Sentei ao seu lado. O bicho ainda arfava. E me olhava. Então é isso: e fixei meus olhos nos dele, por mais que ardessem. Então é isso: tudo o que posso te oferecer é a minha companhia até o fim. E com os olhos doídos e firmes, ali fiquei até o último estremecimento. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário