O sol do meio de
um dia de verão. Eu sozinha no único carro que passava nas ruas daquele bairro
desconhecido para mim. Ninguém nas calçadas e eu desconfortável na solidão.
Devia estar pensando nisso quando vi uma coisa – parecida com um saco, um
trapo, um...uma coisa – que se mexia no meio-fio. Desacelerei até parar: um
gato. Meio gato: as patas traseiras e metade do corpo – se fosse falar de uma
pessoa diria que da cintura para baixo – esmagadas. Saí do carro. Aquele sol
que não nos permite abrir os olhos livremente. O bicho arfava. Os globos
oculares se prendiam à cavidade por apenas um fio – o nervo óptico? – mas ele
conseguia me olhar. Pelo ânus - ou pelo quê um dia foi um ânus – escapavam as
vísceras acinzentadas como os pelos. E o bicho arfava. Se eu carregasse uma
arma, teria coragem? Procurei por uma pedra capaz de acabar com aquela vida num
pá, mas e se eu não a jogasse com força suficiente? E se a jogasse? E se eu
voltasse para o carro e acelerasse para frente e para trás, para a frente e
para trás, por cima dele?
E se...?
Sentei ao seu
lado. O bicho ainda arfava. E me olhava. Então é isso: e fixei meus olhos nos
dele, por mais que ardessem. Então é isso: tudo o que posso te oferecer é a
minha companhia até o fim. E com os olhos doídos e firmes, ali fiquei até o
último estremecimento.
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