quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sete de abril


Júlia saiu da casa de chá e protegeu a cabeça e o pescoço com o cachecol de lã. Vestiu as mãos com as luvas guardadas no bolso do casaco. A ponta do nariz doía de frio. Moça,  compra um chinelo pra mim? O menino tinha pés descalços com unhas grossas e solas pretas e rachadas. Não posso, Júlia respondeu, e foi até a esquina, uns quinze ou vinte passos, para voltar em seguida: Onde tem uma loja de sapatos? Ali, o menino apontou para o outro lado da rua. Ela o puxou pela mão, o menino e seu cobertor, ambos cheirando a mijo e merda.

Você sabe que número calça?, perguntou culpando-se pela pergunta estúpida.
Trinta e seis ou trinta e sete.

Você tem esse tênis número trinta e seis ou trinta sete?, Júlia perguntou para o vendedor receoso de se aproximar.
Tia, compra o chinelo mesmo.
Mas tá frio, um chinelo te protege do quê?
Ué, do asfalto.
Pode ser um tênis?
Pode, mas é mais caro.

Júlia o ajudou a calçar o tênis preto e prata, apertou a canela do menino para forçar o pé no sapato, sem saber que nem só os fortes moram nas ruas. Ai, tia, minha perna dói aí.

E por que você estava sem sapatos?
Porque roubaram meu chinelo enquanto eu dormia.
Onde?
Na sete de abril.
Na rua?
É.
Você já teve uma casa?
Não.
E se te roubarem os tênis?
Não, tia, eu vacilei. Tenho que dormir com eles dentro do agasalho, aqui, ó, no peito.

O menino pulou com os tênis novos nos pés, Michael Jordan diante da cesta.

Júlia não consegue dormir: menino, ei, menino...você se lembrou de esconder os tênis, aí, ó, no peito?

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